Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
segunda-feira, 10 de maio de 2010
2031) A autodestruição como espetáculo (11.9.2009)
(Malcolm Lowry)
A certa altura do livro autobiográfico O Clube do Filme, o autor, David Gilmour, exibe para o filho adolescente um documentário sobre Malcolm Lowry, o autor de À Sombra do Vulcão.
Lowry foi um desses famosos “escritores bêbados” como Charles Bukowski, Hunter Thompson, Hemingway, Faulkner.
Seu romance reconstitui em forma de ficção os anos que ele passou no México, mergulhado num estupor alcoólico, absorvendo e reconstituindo literariamente, sabe-se lá como, o tumulto político do país.
Artistas que se auto-destroem através da bebida e de outras drogas exercem uma fascinação sobre os jovens. Talvez porque estes se julguem predestinados a grandes coisas, e também porque se julguem imortais.
A maturidade (digamos, a fase entre os 30 e os 60 anos) é uma zona de transição necessária para que o jovem de antes possa tornar-se o velho de depois, e aceitar, sem sobressaltos, a idéia da própria mortalidade.
Muita gente se surpreende quando fica sabendo do suicídio de um jovem. Para mim, não há surpresa. Sempre há um jovem que se crê imortal. Suicidar-se é um mero desabafo passageiro. O fogo dos hormônios que arde em seu metabolismo lhe dá plenitude de vida, e ele imagina que um tiro no ouvido conseguirá, no máximo, deixá-lo meio surdo durante alguns dias.
Diz David Gilmour em seu livro, dirigindo-se ao filho adolescente:
“É assustador imaginar quantos jovens da sua idade se embebedaram e olharam no espelho imaginando ver Malcolm Lowry olhando de volta para eles. Quantos jovens pensaram que estavam fazendo algo mais importante e poético do que simplesmente encher a cara.”
Um pouco desta sensação ocorre no mundo da música, com as legiões de rapazes e moças que se deixam encantar pelas vidas de Jimi Hendrix, Jim Morrison, Janis Joplin, Raul Seixas.
São artistas divididos entre a criação e a autodestruição, e ambas são públicas. Sua autodestruição se transforma num espetáculo, ou numa parte do espetáculo permanente entre eles e o mundo. A obra artística e a bebedeira parecem não poder existir uma sem a outra. Na verdade podem, e o mais frequente é que admiradores de tais artistas se dediquem mais à bebedeira do que à literatura.
Lowry afirmou certa vez:
“E é dessa maneira que eu, às vezes, penso sobre mim mesmo. Como um grande explorador que descobriu alguma terra extraordinária da qual jamais poderá voltar para anunciar ao mundo sua descoberta: mas o nome dessa terra é inferno”.
O escritor que se auto-destrói é alguém que pôs em funcionamento um mecanismo poderoso, um mecanismo que não consegue mais desligar. O erro maior de quem os avalia é imaginar que a droga ou a bebida lhes deram “inspiração para escrever”. Na verdade, droga e bebida os arrastaram para o abismo, mas isso ocorreu tão devagar que eles tiveram tempo de escrever (compor, cantar, etc.) seus pedidos de socorro, e para anunciar a todos o nome do lugar que tinham acabado de descobrir.
É evidente que não se pode simplificar o suicídio, todavia, partindo da idéia de que um jovem qualquer pode se suicidar por se julgar imortal, me ocorreu que o velho pode se suicidar porque sabe que a imortalidade não existe. Abração!
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