segunda-feira, 10 de maio de 2010

2030) O kitsch dos ditadores (10.9.2009)




Um artigo recente de Eric Gibson no Wall Street Journal (http://tinyurl.com/m63lds) comenta a foto tirada por Bill Clinton e o ditador da Coréia do Norte, Kim Jong II, na recente visita de Clinton àquele país para libertar duas jornalistas norte-americanas que estavam presas. 

Ao fim das negociações, o governo coreano divulgou uma foto em que os dois negociadores aparecem sentados, tendo por trás de si, em pé, seis autoridades coreanas. E por trás de todos, roubando a cena e atraindo irresistivelmente o olhar de quem vê a foto, há um gigantesco mural mostrando um oceano revolto, com ondas gigantescas desmoronando em espuma, e pássaros irrequietos esvoaçando. 

A presença do mural é tão acachapante que a foto nos dá a sensação de ter sido tirada diante de um desses gigantescos aquários como há em certos jardins zoológicos.

O artigo de Gibson se pergunta: Por que diabo os ditadores gostam tanto de obras de arte “kitsch”? 

Kitsch, no caso, é o pseudo-realismo academicamente aprendido e copiado, cheio de mensagens grandiloquentes, cheio da busca de emoções fáceis, dos clichês afetivos usados de maneira espertalhona, da mensagem unívoca e sem sutileza que dá, a um observador pouco culto, o ilusório conforto de poder interpretar a “mensagem” da obra sem correr o risco de falar bobagem. 

Diante das estátuas soviéticas de um operário hercúleo empunhando o martelo e uma camponesa hercúlea empunhando uma foice, o espectador do kitsch ergue o dedo e afirma com convicção: “Já sei! Ele está querendo dizer que os operários e camponeses são heróis, são destemidos, e que a Revolução triunfará”. Isto é o kistch político que os ditadores tanto apreciam.

Gibson analisa o painel de Kim Jong II: 

“A mensagem da pintura é simples: o regime de Kim Jong II é uma força da natureza. A luz suave e os pássaros esvoaçantes evocam a noção de um paraíso natural, uma alusão ao paraíso que tais regimes acreditam estar criando para seu cidadãos. As ondas que caem fragorosamente são uma metáfora para o poder do do Estado e para a disposição do Grande Líder em esmagar todos os seus inimigos”.

Ditadores gostam de mensagens claras. Se um ditador de esquerda tivesse encomendado a Picasso um mural sobre o massacre de Guernica, teria exigido que ele pintasse aviões de nacionalidade claramente identificável, criancinhas despedaçadas, etc. 

Picasso não estava interessado em reproduzir fotograficamente o massacre, mas em fazer uma espécie de biografia de todo o processo de destruição, revelação e reconstrução que aquele massacre fez na sua vida como cidadão e na sua pintura como artista. 

“Guernica”, que denuncia o massacre de uma ditadura de direita, é uma pintura que um ditador de esquerda detestaria. É ambígua demais, pessoal demais, inclui as emoções do sabedor naquilo que por ele é sabido. É tanto sobre Guernica quanto sobre Cartago ou Tenochtitlán ou sobre o próprio Picasso.





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