Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sexta-feira, 7 de maio de 2010
2008) “A Doce Vida” (15.8.2009)
Revi este filme, que revelou Federico Fellini para o grande público, tornando seu nome quase tão famoso quanto o de Alfred Hitchcock, o-Diretor-Cujo-Nome-Todo-Leigo-Conhece. O cineasta já era louvado pelos colegas e pelos críticos devido a filmes como Os Boas Vidas, La Strada, Noites de Cabíria. Este filme de 1960 o levou às capas de revistas, aos jornais, à TV, a toda a mídia parasitária do mundo dos espetáculos que ele satiriza de um modo (tipicamente felliniano) desesperançoso e bem-humorado. Diz-se que o termo “paparazzi” se originou do personagem Paparazzo (Walter Santesso): o fotógrafo de celebridades que acompanha por toda parte Marcello (Mastroianni), jornalista do que seria, na Roma da época, uma revista como Caras ou Chiques & Famosos.
Mastroianni vive um personagem que lhe era caro: o charmoso vítima do próprio charme, capaz de seduzir superficialmente quem quer que seja (mulheres, amigos, patrões em potencial) e, por isto mesmo, incapaz de se fixar em algo, porque há sempre outra porta a se abrir mais adiante, e ele não resiste a essa abundância de oportunidades que o mundo insiste em lhe prodigalizar. Seria interessante ver em sequência La Dolce Vita e o filme que ele fez logo em seguida, A Noite de Antonioni, onde ele vive outra fase na vida do “mesmo” personagem. Aliás, há uma tal continuidade de espírito, de estrutura e de tipos humanos entre estes dois filmes que é difícil acreditar que não são dois episódios de um mesmo filme feitos pelo mesmo diretor.
O filme, como qualquer filme que examina a vida boêmia de quem passa as noites em claro tentando “viver intensamente”, poderia intitular-se “O Terrível Amanhecer”. Quando a bendita escuridão se esvai, o sol da Vida Real fotografa o mundo com seu “flash” cegante, ressecando e evaporando todas as fantasias que, como certas flores, só conseguem brotar durante a noite. O filme é uma sucessão de alvoradas cruéis: Marcello e Madalena saindo da casa da prostituta onde foram curtir uma noite “exótica”; o fim da sessão de “aparições da Virgem” com a morte de um romeiro; Marcello voltando de carro para buscar Emma após uma das brigas de casal mais sinceras do cinema; os farristas indo à beira-mar, no final, para ver o peixe monstruoso trazido à praia pelos pescadores...
Fellini também documenta o momento da americanização da Europa: filmes e estrelas de Hollywood numa metalinguagem convincente (Anita Ekberg e Lex Barker interpretando sósias de si mesmos); os primórdios de um rock-and-roll num tempo em que cantar rock era vestir blusão de couro e ter um acesso de doença-de-São-Vito; a indústria das celebridades instantâneas, das entrevistas coletivas, das fotos escandalosas, das revistas de fofocas. São quase 3 horas de filme que nem se percebem, porque cada uma de suas longas sequências é em si mesma um pequeno e irretocável filme, como passos de uma Via Crucis profana, alcoólica, inaugurando a era da permissividade e do tédio.
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