terça-feira, 27 de abril de 2010

1963) “Budapeste”(24.6.2009)



O filme Budapeste, de Walter Carvalho, tem sido elogiado como a mais bem cuidada adaptação dos romances de Chico Buarque. Vi o filme sem ter lido o livro, o que hoje em dia considero a melhor maneira de ver. Quando já conhecemos a obra literária, na verdade não vemos o filme. Passamos a projeção inteira fazendo comparações, satisfazendo (ou frustrando) expectativas, e assinalando itens numa lista imaginária: “Isto apareceu... isso não apareceu... aquilo apareceu mas está mal feito...” Duvido muito que a maioria das obras resista a um escrutínio dessa natureza. Mesmo que seja elogiada e aprovada, não foi vista de fato – ficou submetida a uma relação triangular em que suas soluções estéticas nunca foram aferidas pelo que realmente são, mas pelo que parecem ser quando comparadas às soluções estéticas do livro.

O filme Budapeste é uma homenagem apaixonada à palavra, feito de imagens belíssimas. Pode ser que o livro de Chico seja um romance de frases muito belas, feito para louvar a palavra. Esse louvor irrestrito, apaixonado, deleitoso, está presente no filme impregnando a história de um “ghost-writer”. José Costa (Leonardo Medeiros) ganha a vida escrevendo livros para que outras pessoas os assinem e fiquem famosas por causa daquelas histórias e daquelas frases que não são suas. Toda a história se estrutura nesse jogo de dualidades: rosto-máscara, português-húngaro, frente-costas, cima-baixo, original-cópia... Um conceito básico reproduzido nestas e em outras variantes, de tal modo que a narrativa ganha uma imensa continuidade e consistência, sem se repetir. Tudo ali tem duas faces, dois lados, dois sentidos.

O filme tem um detalhe impressionante que transcende o livro. Vagueando por Budapeste, o ghost-writer vai parar na frente do Monumento ao Escritor Desconhecido, elogiado em francês por um guia para um grupo de turistas. Isto não aparece no livro: Chico Buarque, que jamais fôra a Budapeste antes de escrever o livro, afirma que desconhecia a existência dessa estátua na época em que escreveu. Para mim, é coincidência demais. Imagino que Chico, que tem uma cara danada de quem gosta de ler almanaques de cultura inútil, leu sobre essa estátua quando tinha 15 anos, e na hora de escrever o romance uma voz segredou-lhe que ghost-writer e Budapeste tinham tudo a ver. Não acredito em coincidências. Acredito que consciência e memória são diferentes coisas.

Como filme (deixemos de lado o texto original), Budapeste se sustenta pelo exame distanciado desse personagem dilacerado por contradições. Escreve muito bem (“seus” livros fazem sucesso) mas não consegue ser autor. Vive com mulheres deslumbrantes e é infeliz no amor. Foge do Rio de Janeiro e se mistura aos húngaros, que se auto-denominam “os cariocas da Europa”. Joga a própria vida fora e recupera apenas fragmentos dela ao dizer palavras como marimbondo, energúmena, adstringência.

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