quarta-feira, 21 de abril de 2010

1935) Informação e caos (22.5.2009)




A principal diferença entre a linguagem literária e a linguagem factual, denotativa (a que estou usando neste artigo, por exemplo) é que esta última pretende ser objetiva, precisa, clara, e a linguagem literária pretende ser caótica e contraditória. 

Pode parecer um contra-senso. A quem interessaria o uso de uma linguagem assim? E no entanto é o que a maior parte das literaturas nos propõe: textos cujo significado não é unívoco, muda conforme o leitor, e muda para um mesmo leitor conforme o momento da leitura.

Literatura é texto que aponta simultaneamente em diferentes direções. Por que isto nos dá prazer? Porque esta é nossa relação com o mundo. 

O mundo é contraditório, caótico. Tendo contato com ele, recebemos milhões de mensagens simultâneas que não são dirigidas a nós: simplesmente estão ali, acontecendo, existindo, e cabe a nós fazer sentido delas e reagir de acordo. 

O mundo não é uma mensagem deliberada, ou melhor, é a superposição entrelaçada de milhões de mensagens deliberadas, se considerarmos que tudo é criado com um propósito -- o comportamento de cada pessoa, o desenho das casas e das roupas, a presença e o movimento dos automóveis, as mensagens audiovisuais que emanam dos rádios e das TV. 

Cada um desses detalhes exprime uma deliberação, cumpre uma função muito clara e fácil de racionalizar. Mas a superposição de tudo isto não é feita por ninguém em especial, não há um maestro, uma “mente ordenadora” controlando tudo. Uma cidade é um caos em equilíbrio e em mutação constante.

Quando lemos um romance, ele nos dá as duas coisas – significado e caos. Ou aparente significado e aparente caos. 

Isto reproduz nossa experiência direta da vida, quando o tempo inteiro somos tomados ou idéias ou emoções antagônicas, somos assaltados por estímulos visuais e sonoros que nada têm a ver uns com os outros. Nossa mente vê-se forçada a separar instantaneamente o essencial do irrelevante, o importante do descartável. 

Um romance, em vez de partir em linha reta de um ponto para atingir outro ponto da maneira mais objetiva possível, não passa de um trajeto ziguezagueante, cheio de idas e vindas, de retrocessos e rodeios, que a cada releitura é visto de maneira diferente.

A linguagem do romance tem que ser sinuosa, contraditória, não-linear em termos de informação cumulativa, mesmo que seja linear em termos da narrativa em si, da sequência cronológica dos acontecimentos. 

É preciso que os elementos que o leitor vai colhendo ao longo da leitura apontem em direções diferentes, e, mesmo que no final o autor proponha uma “explicação oficial” para os fatos narrados, seja possível ao leitor duvidar dela, achar que o próprio autor não entendeu direito o que aconteceu naquela história, porque há uma miríade de detalhes que sugerem outra explicação. 

O romance, que já foi chamado de “a narrativa do herói problemático”, é na verdade uma narrativa problemática ele próprio, no melhor sentido do termo.








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