quinta-feira, 15 de abril de 2010

1917) Quem matou Roger Ackroyd (1.5.2009)




Como sabem os aficionados, quem matou Roger Ackroyd fui eu. O assassinato de Roger Ackroyd, de Agatha Christie (1926) é um dos livros mais famosos do romance policial. Quando o crítico Edmund Wilson escreveu um artigo devastador contra o gênero, que ele detestava, intitulou-o: “Quem diabo quer saber quem matou Roger Ackroyd?”. 

O livro é famoso por uma razão maior e uma razão menor. 

A menor é que nele aparece Caroline Sheppard, solteirona fofoqueira de vila do interior, que se mantém informada sobre a vida de Deus-e-o-mundo através de uma rede invisível de carteiros, leiteiros, empregadas domésticas, etc. Ela serviu de modelo para que Lady Agatha criasse depois sua “detetive” Miss Marple, que viria a desvendar dezenas de mistérios. 

A razão maior para a fama do livro envolve a revelação de quem é o criminoso. Basta dizer que na Inglaterra houve uma verdadeira onda de inteligências ultrajadas quando o romance foi lido. Incontáveis leitores queixaram-se de que a autora não fez jogo limpo, sonegou informações essenciais, etc. Ms. Christie defendeu-se, mostrando que espalhara pistas ao longo de todo o livro dando dicas (para quem soubesse interpretá-las) sobre a identidade do assassino. 

Processo, aliás, característico de seu estilo, e um dos seus pontos fortes. Em todo livro seu, quando Hercule Poirot mostra suas deduções finais, a gente dá uma tapa na testa: “Como eu sou burro! Eu prestei atenção nisso, mas pelo motivo errado!”. 

Saiu há poucos anos na França o livro Qui a tué Roger Ackroyd, de Pierre Bayard, um professor de literatura cujo livro de maior sucesso, já traduzido no Brasil, é Como falar dos livros que não lemos? (Rio: Objetiva, 2008). 

Bayard disseca o romance de Ms. Christie, aponta as contradições do enredo, as falhas e omissões, etc. Faz uma análise tão impiedosa (e reveladora) quanto a que Thomas L. Stix fez com um conto clássico de Conan Doyle no seu ensaio “Os 7 erros em ‘A Liga dos Cabeças-Vermelhas’”. 

Na segunda parte do livro, Bayard reexamina o mito de Édipo, o primeiro detetive, e recolhe elementos para, no final, recontar o enredo do romance e mostrar quem foi o verdadeiro assassino. 

Os críticos christianos devem ter ficado se mexendo na cadeira, porque Bayard faz, com a vantagem da visão retrospectiva, claro, uma articulação de pistas e de provas muito mais sensata do que a de Poirot no romance original – e sugere um novo e imprevisto assassino. Ele propõe, para um romance policial clássico, uma reinterpretação que lhe muda o sentido. 

 Estamos acostumados a essas releituras na literatura erudita. Capitu, Raskolnikov, Leopold Bloom: a toda hora tem alguém trazendo uma luz totalmente nova sobre eles. Mas isto é novo no romance de detetive, que é uma estrutura fechada, de uma só resposta e um só final. A bibliografia de Bayard mostra que ele já fez o mesmo com O Cão dos Baskerville de Conan Doyle e com o Hamlet. Creio que vale conferir.






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