Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 15 de abril de 2010
1912) “Os Inconfidentes” (25.4.2009)
Os Inconfidentes de Joaquim Pedro de Andrade (1972) é uma ilustração cênica e histriônica de textos dos Autos da Devassa, do Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles e de poemas dos próprios inconfidentes (aliás, deve haver uma Lei da Natureza dizendo que qualquer conspiração política com três ou mais poetas entre seus líderes está condenada ao fracasso).
Isto dá origem a um estilo de encenação muito usado pelo cinema da época (lá fora, Godard, Straub; no Brasil, Glauber, Miguel Faria Jr.): longos planos-sequência com câmara imóvel e enormes extensões de texto (ou texto nenhum), sucedendo-se com uma intenção cronológica apenas superficial, mas servindo cada um como um quadro ilustrativo do tema geral do filme. As cenas surgem como peças de um quebra-cabeças que são retiradas aleatoriamente da caixa, e só aos poucos o espectador percebe seu lugar de encaixe.
Neste filme, vemos um time de excelentes atores em plena juventude ou maturidade dando baile uns nos outros. Enquanto um diz seu longo bife os demais ficam “na ponta dos cascos” esperando sua deixa.
Paulo César Pereio, José Wilker, Nelson Dantas, Luís Linhares, Carlos Kroeber, Fábio Sabag, Wilson Grey... Como diz o pessoal de teatro, é cobra engolindo cobra.
E a encenação de Joaquim Pedro tira proveito de toda a liberdade concedida a quem está usando um texto clássico – se as palavras são escrupulosamente seguidas, a imagem pode ser a que melhor convém ao diretor.
São inesquecíveis a cena da delação em que Silvério dos Reis e o Visconde de Barbacena tomam banho de banheira juntos, ensaboando-se um ao outro; Gonzaga bordando o “vestido” que deveria usar em seu casamento com Marília, ao lado de um querubim e ao som de João Gilberto cantando “Farolito”; a cena final em que o enforcamento de Tiradentes é aplaudido por dezenas de colegiais.
O mais curioso é que se trata de um filme cheio de estocadas nos militares, na subserviência do povo brasileiro, na tortura, etc. E, por outro lado, é um filme impiedoso com os intelectuais – todos se apequenam e se acovardam depois de presos, e só Tiradentes assume plenamente o que tinha dito e feito. É um filme que diz tanto sobre a época em que foi feito quanto sobre a época remota que retrata.
Na ponteira que aparece no final do filme, ficamos sabendo que sua restauração (o filme é de 1972) só foi possível devido a cópias e negativos encontrados em cinematecas de Portugal e da Itália (a co-produção era italiana).
Ao que eu me lembre, o filme não chegou a ser proibido pela ditadura. Vi-o numa sessão comum de Cinema de Arte. Mas a asfixia econômica mata um filme com a mesma eficiência que o enforcamento censório. O filme de Joaquim não teve o pescoço partido como ocorreu com o alferes, ainda mais com o peso do carrasco, o negão Capitania, escanchado em seus ombros. Ficou pendurado por uma corda, finando-se aos poucos, como Cláudio Manuel da Costa.
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