quinta-feira, 8 de abril de 2010

1882) Por que parar o tempo? (21.3.2009)




(foto: marleen1951)

O roteirista Tulio Pinelli conta que certa vez estava no Uzbequistão em companhia de Michelangelo Antonioni. Os dois procuravam locações para um filme que estavam começando a realizar. Um dia, vindo de carro por uma estrada, deram carona a três uzbeques. Segundo Pinelli, eram homens majestosos, usando turbantes e vestimentas tradicionais, e pareciam três estátuas religiosas. Quando chegaram no ponto onde eles iam saltar, Antonioni parou o carro e, como um gesto de despedida, tirou uma foto polaróide dos três e a deu de presente. Os homens olharam a foto e a devolveram a Antonioni, perguntando: “Por que parar o tempo?”.

O que teria dito o uzbeque se Antonioni os tivesse filmado caminhando, e depois exibido as imagens? Perceberia que a intenção de quem fotografa ou filma não é propriamente de parar o tempo, e sim de duplicá-lo, multiplicá-lo? Achamos que a foto é um “instante parado” do tempo porque ele retrata uma fração de segundo e dá a impressão de que o que temos ali é “um instante inteiro”. Mas não é. Mesmo numa foto parada, temos a presença de vários instantes sucessivos. Ou você, caro leitor, nunca tirou uma foto que saiu borrada?

Não falo em fotografia fora de foco, falo naquelas fotos em que um movimento rápido (o braço de um tenista, as asas de um pássaro, etc.) aparecem registradas em várias posições sucessivas, mescladas, transformadas num borrão de movimento que invade a tal fração-de-segundo em que a foto é tirada, revelando que é impossível parar o tempo, e que só temos essa ilusão quando fotografamos objetos imóveis.

Dizem que a primeira foto em que aparece um ser humano foi tirada do alto de uma água-furtada parisiense. A foto, que precisou de vários minutos de exposição para poder absorver luz suficiente, mostra pedaços de telhados, uma rua, carros parados, e numa esquina a silhueta difusa de um homem no passeio, que, com a perna semi-erguida, está tendo os sapatos lustrados por um engraxate. A rua estava cheia de movimento, mas tudo passou rápido demais para poder ser captado pelo negativo pouco sensível. Apenas aquele transeunte desapercebido foi registrado; ninguém soube seu nome, e ele próprio, perdido naqueles minutos tão banais, nunca soube que sua silhueta tinha entrado para a História da Imagem.

A fotografia só para aquilo que de certa forma já está parado. Os automóveis passaram incólumes por aquela primeira foto, assim como hoje somente as asas dos beija-flores passam incólumes pelas nossas câmeras digitais. Os uzbeques de Antonioni provavelmente se sentiram aprisionados naquela polaróide; como se vissem três sósias seus transformados em estátuas, doidos para sair caminhando e sem poder. A foto não para o tempo, nós é que paramos para ela. É apenas uma armadilha para que um dia possamos rever aquela imagem e puxar de dentro dela todo um movimento do corpo e da alma que deixou de existir, mas que pela porta da fotografia pode ser acessado novamente.





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