Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quarta-feira, 7 de abril de 2010
1881) Os livros impublicáveis (20.3.2009)
Não há nada mais satisfatório, para um autor de sucesso, do que relembrar, do alto de milhões de exemplares vendidos, ou de numerosos prêmios literários, todos os editores que rejeitaram seu livro agora famoso, ou todos os críticos que receberam seu aparecimento inicial com ironias e menosprezo.
A única certeza na indústria cultural é que nunca se sabe o que vai fazer sucesso. Tudo que é feito, é feito com essa intenção, inclusive os grandes fracassos, os grandes micos, as grandes quebradas de cara, os grandes prejuízos. Nos círculos eruditos é costume citar o exemplo de Proust, que teve o primeiro volume do Em busca do tempo perdido rejeitado por André Gide, encarregado da avaliação. Há também os casos de James Joyce com Ulisses e de Henry Miller com o Trópico de Câncer, mas aqui trata-se mais de uma questão de censura – eram livros com conteúdo sexual muito forte para a época.
Um caso pouco conhecido do grande público é o do escritor Stephen R. Donaldson, autor de uma série de romances de fantasia heróica (do tipo J. R. R. Tolkien) cujo conjunto se intitula As Crônicas de Thomas Covenant, o Descrente, num total de seis romances enormes publicados entre 1977 e 1983. (Recentemente, Donaldson retornou ao universo dessa série, com mais dois livros publicados em 2004 e 2007). Thomas é um norte-americano médio que na década de 1970 vê-se arremessado num universo paralelo que está (como o mundo de Tolkien) ameaçado de destruição por um arqui-vilão, Lord Foul. Sua missão, cumprida com relutância e estranhamento, é salvar essa terra desconhecida. Um romance de fantasia igual a tantos – com a diferença de que Thomas é um leproso.
Reza a lenda que Donaldson ofereceu o primeiro livro da série a todas as 47 editoras listadas na revista Literary Marketplace, de uma em uma, por ordem alfabética; e todas o recusaram. O livro acabou sendo publicado pela Del Rey Books, numa segunda rodada de oferta. Donaldson ganhou o Prêmio John W. Campbell de “Melhor Autor de 1979”, e alguns livros da série receberam prêmios de “Melhor Romance do Ano”. No total, a série de Thomas Covenant já vendeu mais de dez milhões de livros. O título mais recente, Fatal Revenant (2007) chegou a 12o. lugar na lista dos mais vendidos do New York Times.
Alguém dirá: “como são burros os editores!” E eu responderei: caro leitor, você investiria seu precioso dinheiro num livro de fantasia de um autor estreante, de 30 anos, cujo protagonista é um leproso? Thomas é um sujeito que fica o tempo inteiro verificando se suas extremidades estão intactas (ele perde 2 dedos nos primeiros livros da série). A obra de Donaldson discute sérias questões éticas e morais. Dentro da fantasia norte-americana, muitas vezes frívola ou infantilóide, seus livros são consideradas obras sérias, de peso, ainda que um tanto soturnas. Ninguém poderia prever o sucesso que obtiveram. Não, não se pode, ninguém pode saber, jamais.
Esse ainda teve como comprovar...
ResponderExcluirE os que nem isso consegue ??
Os leitores devem perder muitas boas histórias assim.
Pensei que era o Saruman na capa do livro!
ResponderExcluirDevido a sua enfermidade, Thomas Covenant me fez lembrar outro personagem de livros de fantasia: Elric de Melniboné, de Michael Moorcock. O imperador albino também tinha saúde extremamente frágil.
Mas, claro, Stephen R. Donaldson foi bem além... Não é de se estranhar tanto que os editores recusavam publicar seus escritos.
Nos quadrinhos, Conan já encontrou Elric. Mas como seria se o cimério bárbaro encontrasse Thomas? Com sua mania de chamar os inimigos de "cães leprosos", acho que o deixaria entristecido.