Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quarta-feira, 7 de abril de 2010
1879) Poe: a página policial (18.3.2009)
Edgar Allan Poe criou a literatura analítico-detetivesca em 1841, quando publicou o conto “Os assassinatos da Rua Morgue”. Em 1842-43 veio “O mistério de Marie Roget”, publicado em artigos sucessivos numa revista. Em 1844 veio um conto pouco conhecido, “Thou art the man”, e em 1844 “A carta roubada”, que de certo modo é o melhor de todos.
Estes quatro contos inventaram o que chamamos hoje de “conto detetivesco”: a história de um crime envolto em mistério, que é elucidado por um detetive. A estas características eu somaria outra: o elogio da desconfiança. Todo detetive é um desconfiado, um cético, quase um paranóico.
Jorge Luís Borges disse que a literatura policial, com Poe, criou um novo tipo de leitor, o leitor que desconfia de tudo que lê. Existe nesse leitor e nesse detetive a predisposição para de tudo duvidar, para tudo tentar observar sob um ângulo diferente. É o leitor moderno, o leitor crítico, cujo prazer não é apenas o de se deixar levar pela história lida, mas principalmente o de não se deixar levar tão facilmente.
Os dois primeiros contos falam de crimes sensacionais cometidos numa grande cidade, que no caso é Paris. (“Marie Roget” é uma transposição parisiense de um crime real ocorrido em Nova York, e que Poe tentou elucidar por conta própria em forma de ficção.) Eles indicam um vínculo essencial da literatura de detetive, em seu nascimento, com as páginas policiais dos jornais diários – que na época, acreditem, eram muito mais sensacionalistas e exageradas do que as de hoje.
As populações urbanas, a quem se dirigiam os jornais, tinham, como ainda têm, um fascínio permanente por crimes brutais, vinganças sanguinolentas, chacinas impiedosas, assassinatos que conjugavam a violência física e a baixeza moral. Uma multidão necessita de vilões como uma criança precisa de monstros: para descarregar seus medos e curtir depois uma paz provisória (“não foi comigo, foi com outras pessoas”).
Com exceção da “Carta roubada”, os demais contos de Poe são filhos diretos de publicações como The Newgate Calendar, um periódico sensacionalista que de início contava os crimes praticados pelos inquilinos da prisão britânica de Newgate. Essas narrativas (onde entravam em partes iguais o relato verídico, o exagero ficcional e o moralismo) foram coletadas em 1774 em cinco volumes que depois tiveram várias reedições. No tempo de Poe, houve pelo menos duas reedições famosas, em 1824 e 1826.
O fato de que ele ambientou a maioria dos seus mistérios em Paris levou muitos críticos a verem nisto, também, uma influência das famosas Memórias de Vidocq (1828), criminoso francês que tornou-se depois policial e transformou-se no protótipo de ambas as categorias.
O diferencial introduzido por Poe nessa literatura sensacionalista foram a capacidade de observação, de análise e de raciocínio de um detetive amador – modelo depois adotado por outros autores, sendo consagrado (e profissionalizado) com o Sherlock Holmes, de Conan Doyle.
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