Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quarta-feira, 7 de abril de 2010
1878) Os gêneros literários (17.3.2009)
(Jonathan Lethem)
Um artigo de John Clute em The New York Review of Science Fiction (outubro 2008) cita uma frase de Jonathan Lethem: “Os gêneros literários são como os falsos oásis, só são visíveis a meia distância”. De fato, quanto mais nos aprofundamos num livro mais vemos o que ele tem de único, mesmo os mais medíocres e mais previsíveis. Se penso em quinze livros policiais com o advogado Perry Mason (dos quais já li mais do que isto), todos parecem idênticos. Se parar para folhear qualquer um deles, o gênero se esvai, a fórmula parece se dissipar como uma ilusão de ótica, e enxergo apenas a história que está sendo contada, o seu aqui-e-agora inexistente e eterno.
Clute complementa a metáfora de Lethem dizendo: “Os gêneros, e os oásis, são sem dúvida instrumentos muitos úteis, desde que a gente saiba permanecer à distância. Eles só são falsos se imaginarmos que são reais. São instrumentos que ajudam a ver, mas não sem, em última análise, o que há para ver”. O maior engano (e levante a mão quem ainda não o cometeu) é pensar que quando estamos trabalhando num gênero temos que fazer algo parecido com o que já foi feito antes. O romance de cangaço, por exemplo. É um bom exemplo porque não chega a ser um gênero exaurido, pelo contrário; há apenas algumas dezenas de romances que têm o cangaço como tema central. Conhecê-los é importante, mas não para fazer algo parecido com eles, e sim para imaginar: O que poderia ser escrito sobre o cangaço e não foi ainda?
Um gênero é um conjunto de expectativas que o autor tem sobre suas próprias idéias quando começa a trabalhar num livro ou num filme, e é um conjunto (diferente) de expectativas que o leitor ou espectador tem quando entra em contato com a obra. Quem determina essas expectativas é o grau de informação direta ou indireta de cada um.
Mas para a indústria, o “gênero” é a primeira metade da obra, que é assimilada ao longo da vida do leitor; e o livro, qualquer um, é a segunda metade. Só entende direito a segunda quem tiver assimilado a primeira. O leitor de gênero (ou espectador, no caso do cinema) quer apenas “um pouco mais daquilo mesmo”, quer uma história que utilize aquilo que ele já sabe, e lhe dê o conforto e a segurança de estar pisando em terreno conhecido.
Poucas pessoas terão descrito este mecanismo com tanta candura quanto Robert McKee em seu manual de roteiro Story (1997): “Posicionar a audiência significa que não queremos o público entrando em contato com o filme de uma maneira fria e vaga, sem saber o que esperar, e nos forçando a gastar os primeiros vinte minutos de projeção dando-lhes as dicas para apreciarem a história da maneira correta. Queremos que eles se instalem em suas poltronas, aquecidos, focados, cheios de um apetite que passaremos a satisfazer”. É para isto que a indústria explora os gêneros. Para ela, um gênero tem sempre que ser mais importante do que a obra que o utiliza. A obra é a lata dágua, mas o gênero é o poço.
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