terça-feira, 6 de abril de 2010

1870) Um romance de mil anos (7.3.2009)



Foi no livro Maravilhas do Conhecimento Humano de Henry Thomas (um dos meus livros de cabeceira aos dez anos) que ouvi falar pela primeira vez no Genji Monogatari, considerado por muitos historiadores o primeiro romance, e que está completando mil anos de existência. Deixo para os críticos a catação-de-lêndeas de questionar “o que é o primeiro” e “o que é romance”. A História de Genji, tradução passável do título japonês, já era mencionada num diário japonês do século 11, e sua origem talvez seja até um pouco mais remota do que supomos. Não tem propriamente uma história, um único arco de acontecimentos com começo, meio e fim. É, a exemplo de tantas obras da Antiguidade, uma sucessão de diferentes episódios ambientados num momento da História e compartilhado por pessoas parecidas. Como as obras de Chaucer, Boccacio, como as Mil e Uma Noites e tantos outros.

O livro conta as aventuras de Genji, uma espécie de “Tom Jones”, filho de um imperador, cuja beleza o leva a uma sucessão infindável de casos amorosos com as mulheres da corte. Um artigo em The Economist comenta as dificuldades do estilo japonês da época de Murasaki: “A prosa japonesa ainda estava em sua infância no tempo de Murasaki, e sua sintaxe pode ser impenetrável. Frases sem sujeito, diálogos sem indicação de quem os proferiu, nomes de personagens que mudam ao sabor das circunstâncias. Genji, por exemplo, é referido ao longo do livro como o capitão, o consultor, o comandante, o grande conselheiro, o ministro da corte, o chanceler e o imperador honorário aposentado”.

Um aviso deste porte é importante, porque se um tal livro me caísse nas mãos eu talvez deduzisse que todos esses nomes se referiam a diferentes cidadãos. Quando pegamos uma obra assim é que percebemos o quanto a nossa ficção em prosa é codificada, bitolada, submetida a restrições de toda ordem a fim de poder ser compreendida por todo mundo. Não é apenas uma questão geográfica, porque o mesmo artigo adverte: “A linguagem de Murasaki já era arcaica e impenetrável cem anos depois de escrito o livro, de modo que as versões do livro que os japoneses têm lido desde o século 12 são anotadas, condensadas, simplificadas e ilustradas. Somente no século 20 quatro escritores japoneses produziram um total de sete versões do livro”.

Um clássico em linguagem opaca, com dimensões proibitivas (a edição inglesa mais recente tem 1.200 páginas), cerca de 400 personagens; e ao mesmo tempo um livro que guarda um encanto qualquer, uma vez que não para de ser reescrito, reinterpretado e canibalizado para o surgimento de outras obras – que vão desde uma sinfonia recém-composta até “mangás” de quadrinhos eróticos. Dizem que um clássico é um livro que não precisa ser lido para ser conhecido. Talvez um clássico seja um holo-livro; cada elemento seu equivale ao todo, e é capaz de gerar infinitas obras que o multiplicam.

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