Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 4 de abril de 2010
1864) As figuras de proa (28.2.2009)
(Mestre Salustiano)
No ótimo livro Cavalo Marinho Pernambucano, o etnomusicólogo John Patrick Murphy comenta:
“Um fenômeno similar pode ser observado em outros meios culturais tradicionais do Nordeste brasileiro, quando um indivíduo se torna tão associado a determinado gênero, a partir de apoio municipal e exposição na mídia, que aos olhos do público em geral ele é visto, justa ou injustamente, como o melhor praticante desse gênero. É este o caso com o escultor Vitalino e o dançarino Nascimento do Passo, como é com Salustiano e o cavalo-marinho na área de Recife. É como se houvesse lugar na atenção do público para apenas um praticante bem conhecido de cada gênero artístico tradicional, ao passo que em gêneros populares comercializados podem surgir dúzias de figuras”.
Eu diria que não se trata apenas de uma “miopia” em relação à cultura popular. Isso acontece com qualquer pessoa que, não se interessando por uma manifestação cultural qualquer, mesmo assim sente-se na obrigação de conhecer pelo menos um nome dela, aquele que seja “o melhor”. O sujeito registra esse nome, e sente-se desobrigado de conhecer outros.
Quantas pessoas aversas ao futebol não conhecem, ainda hoje, apenas o nome de Pelé? Quantos indivíduos que nunca pisaram num teatro não têm na ponta da língua o nome de Shakespeare, para mostrar que não são leigos absolutos? Já vi muito sujeito totalmente alheio à música confessar-se “fã de Roberto Carlos”. Pergunte o nome de outro cantor, e ele não sabe.
Mas Murphy tem razão em observar como isso se dá com a cultura popular. Conheço muitos cariocas que se dizem “apaixonados” pela obra de Patativa do Assaré, e que são leitores constantes de sua poesia. Quando pergunto que outro poeta matuto conhecem, fazem uma cara de quem não sabe sequer que a poesia matuta existe.
Falo-lhes de Zé da Luz, Catulo da Paixão Cearense, Jessier Quirino, Zé Laurentino, Chico Pedrosa; é o mesmo que estar recitando a escalação do time campeão de hóquei-sobre-patins no Canadá.
Nunca ouviram falar, e, pior, não estão muito interessados. Leram Patativa, gostaram, e assunto encerrado.
Isso não se dá apenas com a cultura popular. Se eu pergunto a essas pessoas sobre ficção científica, provavelmente dirão “Isaac Asimov” e fim de papo. Quando um assunto não nos interessa, mas sabemos que interessa a muita gente, e podemos aqui ou ali ser convidados a dar nossa opinião, é conveniente ter na memória um nome apenas, desde que seja um nome indiscutível, um nome típico, um nome que possamos citar sem correr o risco de “dar uma na trave”.
Esse nome, essa figura de proa, provavelmente será um clichê, um nome óbvio, mas por essa mesma obviedade ninguém poderá dizer que não entendemos do assunto. Dizer que Vitalino é o nosso artesão favorito ou que em matéria forró gostamos de Luiz Gonzaga pode ser um clichê, mas é um clichê que nos salva da ignorância total e que não pode ser questionado.
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