Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 1 de abril de 2010
1855) A resposta mental da FC (18.2.2009)
Algumas teorias dos gêneros literários procuram defini-los em termos da resposta emocional que provocam no leitor.
O gênero do horror (ou terror) é o exemplo mais à mão. Não importa a época em que se situa, o estilo literário em que se expressa, não importa tema, ambiente, personagens, desenvolvimento... O que conta é que é uma história escrita com a intenção de provocar essa resposta na pessoa que lê. E que essa pessoa procure esse livro com a intenção clara de passar por essa experiência emocional.
O mesmo pode-se dizer do humor e do cômico; o mesmo pode-se dizer também da pornografia e do erotismo. As histórias podem se passar em qualquer época e qualquer lugar, em qualquer ambiente; tudo isto é irrelevante. Se cumprirem aquele objetivo – provocar o riso, ou a excitação erótica – pertencem ao gênero, e estamos conversados.
No caso da ficção científica, a resposta procurada por autores e leitores já foi formulada de diferentes maneiras.
Definições mais antigas usam a expressão “sense of wonder”: a sensação de deslumbramento, de maravilhamento, diante de algo surpreendente, grandioso, a ponto de modificar nossa própria noção sobre o universo. Em fases posteriores, com autores e leitores mais exigentes, mais experimentados, mais questionadores, surgiram expressões como “conceptual breakthrough” (Peter Nicholls) e “cognitive estrangement” (Darko Suvin).
Ambos os conceitos são tentativas de fazer uma sintonia fina no “sense-of-wonder” tradicional, formulado na década de 1930.
Nicholls criou a expressão “conceptual breakthrough” (mais ou menos “ruptura conceitual”, o ato de destruir uma visão do Universo e ter acesso a uma visão mais complexa, como o pinto rompe a casca do ovo e descobre o mundo) enfatizando esse poder da FC de nos fazer enxergar de repente a verdadeira realidade.
É a imagem daquela famosa gravura em que um sujeito se arrasta até o horizonte, fura um buraco no céu, enfia a cabeça por ali e vislumbra mecanismos espantosos. É a visão do astronauta Bowman em “2001”, quando penetra no monolito e percebe ali o portal para hiper-dimensões.
Darko Suvin, um crítico influenciado pelo marxismo e pelas idéias de Bertolt Brecht, propôs o termo “cognitive strangement” que significa “estranhamento cognitivo” ou “distanciamento cognitivo”.
Para ele, a FC nos possibilita ter de repente uma visão “de fora” das coisas, distanciada, livre das idéias preconcebidas, como se estivéssemos vendo aquilo pela primeira vez; e isto nos dá um conhecimento mais profundo do que estamos vendo.
Como Newton vendo a queda de uma maçã, percebendo a atração do planeta Terra, e intuindo a partir disto todo um sistema de forças.
Ou como Einstein vendo um trem passar a toda velocidade e percebendo que os passageiros do trem se consideravam imóveis relativamente uns aos outros.
São essas “respostas mentais” que definem a FC, e não a presença de espaçonaves, alienígenas, robôs, pistolas de raios, etc.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir...Interessante.
ResponderExcluirInteressante essa definição através da resposta mental. Sobre o "sense of wonder", tem uma proposta que utiliza ele de forma muito legal, também. Está na introdução do The Cambridge Companion to Science Fiction, escrita pela Farah Mendlesohn. Segundo ela, a FC seria menos um gênero literário próprio e mais uma discussão em andamento. Ela defende que os textos de ficção científica extraem as estruturas de enredo de diversos gêneros e o que diferenciaria a ficção científica seria uma narrativa própria, centrada no sense of wonder.
ResponderExcluirAbraços!