segunda-feira, 29 de março de 2010

1844) A memória perfeita (5.2.2009)




(Jill Price)

Existem pessoas com memória perfeita, memória total? Quais os limites da memória? 

Leio de vez em quando sobre isto, e uma coisa que percebo é que nossas memórias são personalizadas. Pessoas de memória excepcional só se assemelham por esta condição, no mais são muito diferentes: usam processos diferentes, têm mais facilidade para coisas diferentes, etc. 

Vejamos o caso de Jill Price, uma californiana de 42 anos. Entrevistada por Samiha Shafy para “Der Spiegel” (http://tinyurl.com/58o9nm), ela conta as tribulações por que passou, os problemas familiares, as depressões, até o dia em que digitou no Google a palavra “memory”, encontrou o dr. James McGaugh, da Universidade da Califórnia, em Irvine, e descobriu que era uma pessoa fora do comum.

Price é dessas pessoas capazes de, ouvindo uma data, dizer imediatamente qual foi o dia da semana. Ela diz que tem uma lembrança normal da própria infância, consegue lembrar a maioria das coisas entre os 9 e os 15 anos, e a partir daí não esqueceu mais nada: “A partir de 5 de fevereiro de 1980, eu lembro de tudo. Era uma terça-feira”. 

Basta alguém dizer um dia e ela lembra o que fez, com quem estava, o que foi conversado, o tempo que fazia, a roupa que estava usando, a comida que comeu, os pequenos fatos ocorridos à sua volta. 

“Mas,” diz Shafy, “muitas vezes as lembranças voltam por conta própria”. Cenas belas, horríveis, importantes, banais, cruzam de forma desordenada o seu “monitor mental”, muitas vezes obliterando o momento presente.

E muitas vezes retornam, também, “cada palavra dita com raiva, cada erro, cada decepção, cada choque e cada momento de dor; nada é esquecido. No caso de Price, o tempo não cura as feridas”. 

Ela se queixa de que “é como estar passando de novo por tudo aquilo, vezes sem conta, um filme sem fim, caótico, que toma conta de mim, e não existe um botão que eu possa apertar e interromper aquilo”.

Para mim, o mais interessante, o que distingue o caso de Jill Price é o fato de que ela mantém desde os dez anos de idade um diário minucioso de tudo que lhe acontece: “Ela já preencheu mais de 50 mil páginas com caligrafia miúda, documentando cada acontecimento, não importa o quanto seja insignificante”. 

Graças a isto os médicos são capazes de “sabatinar” Jill Price e verificar que aqueles detalhes não estão apenas no papel, estão todos no seu HD mental e ela pode acessá-los instantaneamente.

Este detalhe do diário é significativo, porque mostra que desde muito cedo Jill descobriu uma forma de lidar com essa memória hipertrofiada. E o remédio que encontrou só fez aumentar a doença, porque sem dúvida o registro por escrito afiou ainda mais sua capacidade de recordação. 

Já li muitos casos de memórias privilegiadas, mas este é o primeiro em que o ato de escrever serve como terapia, como fator potencializador do “problema” e como parâmetro de julgamento para os pesquisadores.






Um comentário:

  1. Beira o inacreditável. Essa história é similar à que o Borges conta no "Funes, o memorioso", não é?
    um abraço,

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