Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
segunda-feira, 29 de março de 2010
1843) Antonioni e o cinema (4.2.2009)
Numa entrevista contida nos “extras” do DVD de seu filme A Noite, Michelangelo Antonioni arrisca (em 1985) uma interessante previsão: “O específico fílmico e o específico televisivo acabarão se juntando. As salas são subdivididas em salas menores, com telas menores. As telas de TV aumentam. Um dia, as telas das nossas salas e as dos cinemas serão do mesmo tamanho”. Esta expressão “o específico fílmico”, que não vejo na imprensa há muitos anos, era um tema perpétuo de debates no século passado. Refere-se a algo que o cinema tem e que é diferente de todas as outras artes. É uma experiência cognitiva e estética que só o cinema pode dar, e que não pode ser imitada pelo teatro, pela literatura, pela música, etc. Foi na busca do “específico fílmico” que se criaram as grandes teorias da linguagem do cinema no século 20: André Bazin, Rudolf Arnheim, etc.
Antonioni percebeu, em 1985, que as salas de cinema estavam diminuindo de tamanho, e as telas diminuíam proporcionalmente. Hoje são raras, no Brasil, as salas de cinema para mais de mil pessoas, quando eu bem me lembro do Cinema de Arte Coliseu, em Recife, com mais de 2 mil lugares, frequentemente cheios. É mais rentável, para as cadeias de exibição dos shoppings, explorar 4 ou 5 salas, com filmes diferentes, cada uma numa faixa de 250-500 lugares, com sessões contínuas.
Por outro lado, já naquela época surgiam os primeiros sinais dos enormes “home theatres” de hoje. Talvez em 1985 não existisse a tecnologia, mas já existia a tendência. A TV ganhava espaço, aumentava de tela; hoje, com a imagem digital, pode se gabar de ter mais nitidez e mais riqueza de nuances do que a imagem do cinema (não falei que tem, falei que pode se gabar). Com as salas digitais, a mistura entre as duas coisas fica ainda mais acentuada. Eu, pelo menos, não sei distinguir, olhando apenas a tela, se o filme que estou vendo está sendo projetado em película ou em sistema digital. Se eu não consigo, imagino que a maior parte do público também não consegue.
Há outra frase de Antonioni, no mesmo documentário, que dá o que pensar: “Às vezes é preciso não fitar o interlocutor, e sim fitar o vazio para isolar o próprio pensamento”. Acho que ele se referia ao trabalho do ator, que não precisa ficar encarando o tempo inteiro o outro ator com quem dialoga. Suas atrizes, especialmente Monica Vitti, tinham essa arte incomparável de fugir com o olhar, deixá-lo vaguear pela sala, pela mobília, pela paisagem, enquanto escutava o que um homem lhe dizia.
Mas Antonioni também pode estar se referindo à câmara, e dizendo que a câmara não precisa filmar o tempo inteiro a pessoa que está falando, não precisa cortar o tempo inteiro de uma pessoa que pergunta para outra que responde. Filmar a pessoa que escuta também pode dar a medida exata do que está sendo dito e escutado. Olhando o que diz a TV de hoje, talvez possamos escutar o que tenta dizer o cinema.
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