quinta-feira, 25 de março de 2010

1822) O clap-clap e o tlin-tlin (10.1.2009)



O que é mais importante na arte: o clap-clap dos aplausos, ou o tlin-tlin da caixa registradora? Sucesso simbólico ou sucesso financeiro? Elogios ou saldo bancário? Questão ainda mais desconcertante quando as pessoas começam a achar que um é a negação do outro. Quando começam a achar que Arte não tem nada a ver com Comércio, que artista talentoso é artista pobre, que sucesso de público não pode ser acompanhado por sucesso de crítica, e assim por diante.

Arte e Mercado são o Yin e Yang de uma coisa multiforme e instável chamada Cultura, e mesmo quando um predomina o outro está ali, por baixo, emboscado, se preparando para dar um bote e assumir o controle na primeira oportunidade. Fulano de Tal é um grande artista. Passa metade da vida fazendo obras elogiadíssimas e deficitárias. No dia em que por acaso produz um grande sucesso, abrem-se para ele as portas do Mercado e lá vai ele ladeira abaixo, cada vez mais rico e menos significante. Parece os Titãs, depois que descobriram o repertório de Roberto Carlos e a expressão “um milhão de discos”.

O mesmo acontece com quem faz sucesso ganhando dinheiro de dia e sonhando à noite, entre lençóis de seda marroquina, com os elogios da crítica e as teses de mestrado dos acadêmicos. Um belo dia faz algo que parece uma obra de Arte, e é “descoberto”. E lá vai ele ladeira abaixo, produzindo fracassos de bilheteria cada vez maiores, num esforço vão de cortejar aquela elitezinha que, como uma mulher bonita e metida a besta, é amada por ele e o despreza. Mais ou menos o que ocorreu com Woody Allen, comediante de sucesso que sonhava em ser um artista de verdade como Ingmar Bergman.

Pode-se conciliar qualidade de público e quantidade de lucro. Um dos exemplos mais simples (e que já devo ter citado nesta coluna) é o que ouvi uma vez de Egberto Gismonti, no programa de Jô Soares. Divulgando seu disco mais recente (era ainda a época do LP) Gismonti disse que ele tinha vendido apenas 10 mil cópias. Jô Soares perguntou se ele não preferiria fazer algumas concessões e vender 100 ou 200 mil. O músico respondeu: “Mas Jô, eu vendo 10 mil aqui no Brasil. Como já tenho uma carreira internacional, vendo mais 5 mil nos EUA, 12 mil na França, 8 mil na Suécia, 15 mil na Alemanha, 18 mil no Japão... Se somar tudo, dá os mesmos 100 mil, e eu não preciso fazer concessão nenhuma”.

Alguém pode se queixar: “Ah, mas essa solução de Gismonti não serve para mim, eu não tenho carreira internacional”. Concordo, mas lembro que Gismonti não procurou imitar a solução de Seu Ninguém. Ele criou uma solução própria, em função de quem era, do que já tinha feito e do que podia fazer. Soluções de carreira são sempre pessoais – desde que as carreiras sejam pessoais, individualizadas, “artísticas”. Quando não, o cara vira a Banda Mastruz Com Leite, em que se trocam todos os músicos e a banda permanece a mesma. O que só interessa, em última análise, ao cara que fatura com a banda.

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