Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 20 de março de 2010
1804) Nonada de novo (20.12.2008)
Teorizar sobre a palavra “nonada” é um esporte nacional brasileiro. Encontrei por acaso o blog de Geraldo Teixeira (http://bit.ly/bpr9Ea), onde ele examina a genealogia desta palavra que abre o Grande Sertão: Veredas. Discutir seu significado não rende muito. Os analistas concordam ser uma forma de dizer “não + nada”.
A tradução em inglês, de Harriet de Onís, diz: “It’s nothing”, quando por mim não custava nada dizer “Nonothing”, ou “No-nothing” com hífen, para atenuar a estranheza. Estranheza que lá é bem maior, porque aqui são muitos os exemplos dessa palavra, que Rosa terá visto em mais de um lugar.
O blog de GT cita Gregório de Matos ("Vendo o pouco que duraste, / da vida foste um nonada, / nem foste rosa, nem nada, / se tão depressa acabaste"), cita Santa Teresa de Ávila (“Tenía que decir muy poco o nonada”), e cita Cervantes no Dom Quixote, quando o fidalgo compara as linhagens de pessoas que há no mundo: “Otros, que, aunque tuvieron princípios grandes, acabaron en punta, como pirámide, habiendo diminuído y aniquilado su principio hasta parar en nonada, como lo es la punta de la pirámide, que respeto de su basa o asiento no es nada.”
GT cita também um ensaio de Charles Feitosa (“No-nada. Formas brasileiras do niilismo”), em que este elogia a tradução alemã para o termo rosiano, que Curt Meyer-Clason desdobra numa frase: “Hat nichts auf sich”, que seria literalmente: “nada tem em si”.
Uma idéia que o próprio Rosa vem a glosar, quando Riobaldo pisa e repisa, num confronto verbal com Zé Bebelo: “Pois é, Chefe. E eu sou nada, não sou nada, não sou nada... Não sou mesmo nada, nadinha de nada, de nada... Sou a coisinha nenhuma, o senhor sabe? Sou o nada coisinha mesma nenhuma de nada, o menorzinho de todos. O senhor sabe? De nada. De nada... De nada...”
“Nonada” é de uso corrente. Numa tradução da década de 1950 das Histórias de Sherlock Holmes (sem data – não dá para saber se é posterior ao “GSV”), Agenor Soares de Moura a emprega, numa fala de Holmes a Watson: “Eu chego quase a ver você sussurrando nonadas à jovem dama da Âncora Azul, e recebendo em troca muito mais que nada” (a expressão no original é “soft nothings”).
E devo a Vladimir Carvalho a indicação de outra ocorrência, desta vez em Os Sertões de Euclides da Cunha (“O Homem”, capítulo 5):
“Diz uma testemunha: Alguns lugares desta comarca e de outras circunvizinhas, e até do Estado de Sergipe, ficaram desabitados, tal a aluvião de famílias que subiam para os Canudos, lugar escolhido por Antonio Conselheiro para o centro de suas operações. Causava dó verem-se expostos à venda nas feiras, extraordinária quantidade de gado cavalar, vacum, caprino, etc., além de outros objetos, por preços de nonada, como terrenos, casas, etc. O anelo extremo era vender, apurar algum dinheiro e ir reparti-lo com o Santo Conselheiro”.
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