Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quarta-feira, 17 de março de 2010
1799) De homem ou de mulher (14.12.2008)
(www.caoazul.com)
Li, numa coluna de amenidades, sobre a gafe de um moça que, num restaurante, entrou por engano no banheiro dos homens. Justificou-se ela: “Tinha um M na porta, e eu pensei que fosse: Mulher”. Não era: era “Masculino”. Bastava que a distraída tivesse visto o F de “Feminino” na outra porta para não perder a viagem. (Aliás, a nota do jornal não diz quanto tempo se passou – minutos, horas? – até que ela percebesse o equívoco, ou fosse resgatada.)
Letreiros de banheiros são um desses casos semióticos aparentemente simples que se tornam um matagal de ruídos de informação. Em tese, bastaria ser curto e grosso e colocar nas respectivas portas, com todas as letras: “Homem” e “Mulher”. Em ambientes mais formais, “Masculino” e “Feminino”. Mas essa simplicidade não basta. Gostamos de ser barrocos, alusivos, metafóricos. Quando uma mensagem é simples demais, como esta, julgamo-nos no direito, e até na obrigação, de inventar uma voluta rococó para dar o recado.
Vai daí que num bistrô afrancesado encontramos uma foto de Brigitte Bardot ao lado de uma de Jean-Paul Belmondo. Em boates da moda, uma foto de Angelina Jolie e uma de Brad Pitt. Em boates mais alternativas, talvez encontremos fotos de k. d. lang e de Michael Jackson. Restaurantes regionais colocam xilogravuras de Lampião e Maria Bonita; estabelecimentos afro exibem Pixinguinha e Clementina de Jesus. E assim por diante.
Já achei que a solução mais radical seria exibir, nessas portas, uma foto ou desenho dos respectivos órgãos sexuais. Esta minha brilhante idéia foi posta em prática pelo bar Vou Vivendo, de São Paulo; mas eram fotos solarizadas, em alto contraste, de tão custosa identificação que foi mais prudente ficar por ali, lavando as mãos, e anotando à sorrelfa quem entrava e quem saía.
Há outro fator de risco. Nos EUA, são muito usados os letreiros M e W, ou seja, “Men” e “Women”. Quem se acostuma em sua terra natal com o M de “Men” pode muito bem se confundir num banheiro brasileiro dividido entre “M” e “H”. (Dizem que em Portugal as portas ostentam a letra “S”, de “Senhores” e “Senhoras”.)
Numa das dezenas de viagens de ônibus que fiz pela Rio-Bahia cheguei certo amanhecer a um ponto de apoio da Itapemirim. Desci para ir ao banheiro, entrei no corredor onde havia a placa “Sanitários”, e me deparei com uma cena digna de uma foto de Cartier-Bresson ou de um cartum de Ziraldo. Um casal de matutos, com um casal de filhos pequenos, parado diante de duas portas. Na primeira, havia o desenho estilizado de uma cartola e de uma bengala com castão de prata; na outra, um colar de pérolas enrolado em volta de um par de luvas. Nos rostos apergaminhados dos sertanejos não havia aperreio, nem perplexidade, nem impaciência, nada, nada. Apenas uma atenção profunda e calma, como se o próprio Deus lhes tivesse mandado uma mensagem em hebraico e eles pensassem consigo: “Calma, vamos olhar mais, a gente acaba entendendo o que é”.
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