Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 14 de março de 2010
1792) O Escoteiro e a Meretriz (6.12.2008)
Suponhamos que ela seja Doralúcia, vinte e dois anos, e mora na Zona Norte. São onze horas da noite e ela acabou de sair de um hotelzinho barato na Praça Tiradentes, onde fez um programa com um senhor de seus 70 anos. Subiram para o quarto do hotel, ela recebeu seus quarenta reais, atendeu o pedido do cliente e deixou-o aparentemente adormecido. Tomou um banho rápido, vestiu-se e saiu. Precisa pegar o ônibus na Praça XV e não gosta de andar àquela hora pelas ruas desertas do Centro.
Quando vai atravessar a avenida, Doralúcia vê um rapaz de seus quinze anos vestindo uniforme de camisa e bermuda cáqui, chapéu marrom de formato esquisito, e um lenço vermelho no pescoço. Uma coisa meio fora de moda no século 21, mas ela já encontrou alguns antes, e sabe que é um escoteiro.
O que o rapaz não sabe é que Doralúcia tem um fraco por escoteiros. Ela mesma nunca procurou analisar esse fato. O máximo que faz é comentar com alguma amiga: “Ai, quando eu vejo aqueles meninos... eu passo mal!” E se abana, às gargalhadas.
Falta-lhe teoria para explicar que o escoteiro é um entrecruzamento icônico de elementos que lhe despertam a libido: o Adolescente, com seu mito de priapismo perpétuo e inexaurível; o Caubói, ícone da masculinidade, da dominação, de uma certa rudeza animal que a deixa de pernas bambas; e o Bom Rapaz, sempre gentil e atencioso (ninguém é gentil e atencioso com as doralúcias), tímido, meio ousado e meio inconcluso, sempre pronto a uma boa ação, a “fazer uma caridade”.
Ele se chama Valberto e ainda é virgem. Os amigos não sabem, os pais não sabem, só quem sabe somos ele e (agora) eu. Ninguém desconfia, porque ninguém se interessa por ele, que é filho único. O pai é aposentado da Rede Ferroviária e só pensa em futebol pela TV, assiste até o videotape de Ituano x Bragantino. A mãe cuida da casa e suspira. Empurraram Valberto para o escotismo para poderem imaginar que ele já era adulto e os tinha deixado em paz.
Valberto pára junto à faixa de pedestres. Ônibus passam, fluorescentes, sacolejantes. Ele olha para a direita e vê Doralúcia. Não é tão menino que não a rotule de imediato: “Garota de programa meio gostosinha, voltando pra casa depois do expediente”.
Tem tempo de examiná-la dos pés à cabeça sem que seus olhos se cruzem, uma vez que ela o está examinando da cabeça aos pés. Ele vê um casaco jeans por cima de um mini-vestido azul-marinho, meia pretas de nylon cobrindo umas pernas que não são de se jogar fora, e umas botas que não batem bem com o restante mas lhe dão uma pose de valquíria disposta a tudo.
É neste momento que eu surjo, momentos depois do meu infarto fulminante no quartinho do Hotel Magnólia. Passo os braços sobre os ombros do rapaz que parece com meu neto e da moça compassiva que me proporcionou meu derradeiro prazer. Foram feitos um para o outro e o descobrirão de hoje em diante, mas foi preciso que eu estivesse aqui, onipotente, onisciente, para reuni-los por fim.
Ducaraio.
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