domingo, 14 de março de 2010

1792) O Escoteiro e a Meretriz (6.12.2008)





Suponhamos que ela seja Doralúcia, vinte e dois anos, e mora na Zona Norte. São onze horas da noite e ela acabou de sair de um hotelzinho barato na Praça Tiradentes, onde fez um programa com um senhor de seus 70 anos. Subiram para o quarto do hotel, ela recebeu seus quarenta reais, atendeu o pedido do cliente e deixou-o aparentemente adormecido. Tomou um banho rápido, vestiu-se e saiu. Precisa pegar o ônibus na Praça XV e não gosta de andar àquela hora pelas ruas desertas do Centro.

Quando vai atravessar a avenida, Doralúcia vê um rapaz de seus quinze anos vestindo uniforme de camisa e bermuda cáqui, chapéu marrom de formato esquisito, e um lenço vermelho no pescoço. Uma coisa meio fora de moda no século 21, mas ela já encontrou alguns antes, e sabe que é um escoteiro.

O que o rapaz não sabe é que Doralúcia tem um fraco por escoteiros. Ela mesma nunca procurou analisar esse fato. O máximo que faz é comentar com alguma amiga: “Ai, quando eu vejo aqueles meninos... eu passo mal!” E se abana, às gargalhadas. 

Falta-lhe teoria para explicar que o escoteiro é um entrecruzamento icônico de elementos que lhe despertam a libido: o Adolescente, com seu mito de priapismo perpétuo e inexaurível; o Caubói, ícone da masculinidade, da dominação, de uma certa rudeza animal que a deixa de pernas bambas; e o Bom Rapaz, sempre gentil e atencioso (ninguém é gentil e atencioso com as doralúcias), tímido, meio ousado e meio inconcluso, sempre pronto a uma boa ação, a “fazer uma caridade”.

Ele se chama Valberto e ainda é virgem. Os amigos não sabem, os pais não sabem, só quem sabe somos ele e (agora) eu. Ninguém desconfia, porque ninguém se interessa por ele, que é filho único. O pai é aposentado da Rede Ferroviária e só pensa em futebol pela TV, assiste até o videotape de Ituano x Bragantino. A mãe cuida da casa e suspira. Empurraram Valberto para o escotismo para poderem imaginar que ele já era adulto e os tinha deixado em paz.

Valberto pára junto à faixa de pedestres. Ônibus passam, fluorescentes, sacolejantes. Ele olha para a direita e vê Doralúcia. Não é tão menino que não a rotule de imediato: “Garota de programa meio gostosinha, voltando pra casa depois do expediente”. 

Tem tempo de examiná-la dos pés à cabeça sem que seus olhos se cruzem, uma vez que ela o está examinando da cabeça aos pés. Ele vê um casaco jeans por cima de um mini-vestido azul-marinho, meia pretas de nylon cobrindo umas pernas que não são de se jogar fora, e umas botas que não batem bem com o restante mas lhe dão uma pose de valquíria disposta a tudo.

É neste momento que eu surjo, momentos depois do meu infarto fulminante no quartinho do Hotel Magnólia. Passo os braços sobre os ombros do rapaz que parece com meu neto e da moça compassiva que me proporcionou meu derradeiro prazer. Foram feitos um para o outro e o descobrirão de hoje em diante, mas foi preciso que eu estivesse aqui, onipotente, onisciente, para reuni-los por fim.





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