domingo, 14 de março de 2010

1791) A chuva de dinheiro (5.12.2008)



Anos atrás a Veja fez uma capa exaltando a nova era do capitalismo neo-liberal e mostrando uma nuvem de não-sei-quantos bilhões de dólares que, segundo a matéria, chovia a seu bel-prazer, onde mais lhe agradasse. Na economia globalizada, bastava um investimento começar a dar menos lucro do que o previsto para que o dinheiro fosse imediatamente transferido para um lugar remoto e começasse a “chover” em outra atividade mais proveitosa. Não me lembro se a matéria da revista levava a metáfora às últimas consequências e explicava que as nuvens de chuva não se formam por decreto, e sim pela evaporação de águas já existentes.

Parece que não, porque surgiu uma moda de formar chuvas por decreto. Cria-se dinheiro inexistente através de projeções em mercados futuros, preços futuros, negociações futuras, lucros futuros. Não poderia durar para sempre, e não durou. Os dominós começaram a cair. Não posso saber o que direi deste nobre fenômeno nesta coluna, em novembro de 2009. Não sei se eu, o jornal ou o Brasil ainda estaremos por aqui (em um ano, “ou morro eu, ou morre o rei, ou morre o burro”). No entanto, como o mundo já se acabou várias vezes e continua funcionando, tudo indica que o Apocalipse recém-começado é apenas mais um episódio na novela.

Num capítulo de seu livro The Way the Future Was Frederik Pohl analisa uma crise na distribuição de revistas de ficção científica nos EUA, graças à quebra da American News Company, a principal empresa distribuidora. A ANC teve suas ações compradas aos poucos por especuladores que, assim que assumiram o controle, “quebraram” a empresa vendendo os numerosos imóveis que ela possuía e tendo um lucro fabuloso. (O fato de dar um golpe mortal na distribuição de revistas foi um efeito colateral, para o qual eles não deram a mínima atenção).

Pohl diz: “Nós todos acreditamos nas lendas que ouvimos na infância: Papai Noel, a Fadinha dos Dentes-de-Leite, e a auto-regulação de preços no Mercado de Ações. Vamos fazer um pequeno teste de múltipla escolha. Pergunta: O preço de um lote de ações reflete o quê? a) Seu valor proporcional no capital da empresa? b) A expectativa de ganhos futuros? c) A expectativa quanto ao crescimento da empresa? d) A segurança do investimento? Resposta: Nenhuma das respostas acima. O preço das ações reflete nada mais nada menos do que o estado de espírito das pessoas que as compram”.

O aquecimento dos mercados de ações, com a Bolsa subindo e batendo recordes todos os dias é aquilo que podemos chamar de Irracionalismo Benigno. Não existe razão para tanto otimismo, mas as pessoas estão eufóricas e não param de botar seu dinheiro lá dentro. Por outro lado, o Estouro da Boiada, quando todo mundo ao mesmo tempo, apavorado, quer tirar seu rico dinheirinho para protegê-lo, é um Irracionalismo Maligno. Ambos são comportamentos irracionais. A Bolsa é um cassino, não é um sistema de planejamento coletivo para capitalização de empresas.

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