domingo, 14 de março de 2010

1789) O céu dos agnósticos (3.12.2008)



(Blaise Pascal)

Ah, a imensa solidão do agnóstico! No centro da esfera escura e oca que é seu mundo, ele contempla à distância duas luminosidades: a luminosa certeza dos Crentes, e a luminosa certeza dos Ateus. Essas luzes (que sejam duas, que seja uma só, tanto lhe faz) não existem para ele. Ele habita o centro da treva do não-saber, do não-acreditar, e talvez os Iluminados, que o percebem de longe, dele se compadeçam. “Coitado,” pensam, “vive ali, no escuro, no frio, sem certeza de nada... Por que não lhe mandamos uma marmita, uma garrafa térmica com café, uma manta, um colchonete?...”

Obrigado, queridos amigos! Não preciso, não precisamos. Sei que “o silêncio eternal destes espaços infinitos vos amedronta”, como disse Pascal; mas a mim ele não passa do silêncio acolhedor e aconchegante que precede o sono e nos sossega as pálpebras. O ser humano é um bípede pensante, e mais do que isto: um bípede que se agita, que se socializa, que precisa desesperadamente acreditar que os outros bípedes à sua volta são reais, e daí é só um passo silogístico para acreditar na existência de um Bípede Supremo que criou o universo bipedal e o administra. Assim se criam as religiões. Tudo nelas é imagem e semelhança.

Suponhamos (por obra de argumento) que não haja um Deus. O que somos, então? Acasos biológicos que se organizaram em sociedades e criaram idiomas. É uma resposta paupérrima, insatisfatória. Eu próprio não a ouço com bons ouvidos. Suponhamos (caso contrário) que haja um Deus. Tudo que conhecemos, por conseguinte, é obra sua. Cada spin de cada elétron em cada nanossegundo é ordenado pessoalmente por ele; cada ascensão e queda de Império, cada formação de Sistema Solar, cada Big Bang. Vem daí minha questão: por que nos preocuparmos, então? Se Deus é Onisciente, Onipresente e Onipotente, é o mesmo que não existir, visto que qualquer alternativa que nos ocorra já lhe ocorreu a ele, e qualquer decisão que tomemos já foi tomada por ele desde um trilhão de Eternos Retornos atrás. É como, amigos, pegar os dois termos de uma equação e multiplicar cada um por um bilhão de bilhões de bilhões. Dá no mesmo.

Pascal (lá vem ele de novo) ponderou com argúcia sobre a conveniência de crer. Disse ele que é melhor crer do que não crer, porque se estivermos errados e Deus não existir, então nada se perde; mas se não acreditarmos em Deus e ele existir, então toda a Eternidade estará perdida para nós. Eu proponho o seguinte a Pascal: já que Deus é Onisciente (e conhece inclusive o futuro, está olhando agora o que pensarei e farei daqui a dez anos) ignoremo-lo. Ajamos como se ele não existisse, mas existisse, entre os seres humanos, um pacto recíproco de ajuda, respeito e equilíbrio. Ajamos como se o Universo fosse uma treva sem Deus, e coubesse aos homens acender nessa caverna uma luz. Que Deus (que Deus antropomorficamente bom e ético) condenaria uma humanidade tão agnóstica, mas tão mais humana do que esta?

Um comentário:

  1. Se acreditarmos em deus e ele não existir, então é que se perde tudo, pois se espera tudo e no fim não há nada. E para o caso contrário, será possível apontar um furo na sua proposta a Pascal: se o deus cristão existir - este deus que criou seres humanos para que eles ficassem louvando-o o tempo todo - então os que o ignoram, e que sobem no muro para convenientemente ficar mais próximos do céu do que o ateus se encontram, não escaparão do fogo da greena, pois não louvaram o seu criador que os criou para que o louvassem o tempo todo (primeiro mandamento, lembra?)
    Sua zona de conforto não parece tão confortável agora, não é? A não ser que esteja disposto a crer no deus narcisista que é o deus cristão.

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