Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 28 de fevereiro de 2010
1724) O terror e o susto (20.9.2008)
Quando eu era garoto, havia uma história de terror que requeria um certo ritual para ser contada. A pessoa pedia que fossem reduzidas as luzes do quarto ou da sala onde a gente estivesse. Começava a contar a história, com rosto muito sério, voz pausada, num tom baixo, quase como uma confidência que não podia ser ouvida na sala vizinha. Era a história de um caminhoneiro que vinha viajando à noite. Ele estava ansioso, cansado, dirigindo há quase 24 horas sem parar. Passava diante de um muro branco e via que era o cemitério do vilarejo próximo. Mais adiante, um vulto acenava pedindo carona. Ele parava, pensando que conversar com alguém o ajudaria a manter-se acordado.
Abria a porta da boléia e subia uma mulher vestida de preto, com um véu escuro sobre o rosto. Ela agradecia, e o caminhão partia de novo. O motorista ficava curioso em saber o que a mulher fazia ali àquela hora, mas como ela ficava em silêncio ele não conseguia encaixar uma pergunta. A mulher pousava as mãos sobre a saia, e, olhando com um rabo de olho, ele via, horrorizado, que as mãos dela estavam cheias de cortes profundos, feitos com faca, cheios de sangue coagulado. Ele se assustava e dizia: “Meu Deus! Dona, quem foi que fez isso com as suas mãos?!” E a mulher se virava para ele, afastava o véu e dizia: “Foi você!!!”
O detalhe é que nesse ponto a pessoa que narrava a história gritava a plenos pulmões. Rapaz, era um susto que eu vou te contar. Depois de criar o clima com meia-luz e voz baixa, esse grito, vindo de repente, era um teste cardíaco pra qualquer um. Vi variantes dessa história, e a que contei é a primeira de todas, que ouvi quando tinha uns dez anos.
Muito bem. Folheando aqui o meu Oxford Companion to Children’s Literature (editado por Humphrey Carpenter & Mari Prichard, 1984) achei uma observação interessante no verbete “Little Red Riding-Hood”, que outra não é senão nossa conhecida Chapeuzinho Vermelho. A versão mais antiga dessa história foi recolhida por Charles Perrault em seus Contes de ma mère l’Oye, de 1697. No manuscrito de Perrault para essa coletânea (escrito em 1695), junto à história de Chapeuzinho há uma nota à margem do trecho em que a menina pergunta ao Lobo para que servem aqueles olhos, orelhas, etc., até a boca, que ele responde: “Pra te comer!”.
Dizem os autores: “Na margem do manuscrito há uma anotação para o contador da história, instruindo-o a dizer essa palavras (do Lobo) numa voz muito alta, para amedrontar a criança, como se o Lobo fosse devorá-la. A história, em outras palavras, é um jogo, que termina com o contador fingindo avançar sobre o ouvinte.” O mais interessante é que a história e o jogo (ou o susto) acabaram se despregando um do outro, porque ao que eu saiba ninguém conta a história de Chapeuzinho com essa finalidade, nem a história termina mais aí. Mas o recurso do susto deve estar presente em muitas outras tradições da narrativa oral.
É verdade. Minha avó, que não assustava nem gato, fazia uma voz estranha, mais grave, para a revelação da avó > lobo. Fazia parte da narrativa, nós adorávamos de qquer jeito.
ResponderExcluirPois é, quando a palavra escrita substituiu a palavra falada, esses efeitos especiais se perderam. A palavra escrita tem seus limites. Agora, os games e (no caso) as HQs na Web com Gifs animados podem reconstituir essa experiência anterior. (Não que uma seja necessariamente superior à outra, é claro)
ResponderExcluirNão é uma questão de ser superior, mas de saber aproveitar a mídia. Pessoalmente, eu tenho que estar no auge da preguiça para, ao blogar um texto, não por links qdo é o caso.
ResponderExcluirNunca consegui esse efeito de susto junto aos meus leitores e ouvintes. Trata-se uma arte maravilhosa que, para mim, se aproxima do truque do ilusionista.
ResponderExcluirUma das variantes dessa história, ouvia de uma vizinha velhinha nos meus 8 a 10 anos: um homem encontra um corpo de uma mulher muito bonita jogado no mato. Em um dedo tem um anel de brilhante. Tenta arranaca-lo mas não consegue devido ao inchaço. A solução foi corta-lo com uma faca. Tira o anel e vende. Com o dinheiro da venda compra um caminhão e começa a fazer carreto. Tempos depois numa madrugada de trabalho uma mulher na estrada pede carona...durante a viagem, procurando conversa, ele observa que lhe falta um dedo e pergunta o que aconteceu...
ResponderExcluirA variante que conheço tem a seguinte conclusão: a mulher misteriosa pede pra descer e quando ela desce o motorista vê que está diante de um cemitério.
ResponderExcluirA variante que conheço tem a seguinte conclusão: a mulher misteriosa pede pra descer e quando ela desce o motorista vê que está diante de um cemitério.
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