Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 28 de fevereiro de 2010
1721) Machado: As Esperanças Decrescentes (17.9.2008)
(Machado, por Novaes)
Cada autor tem suas figuras de linguagem preferidas, às quais recorre, depois de certo tempo, quase inconscientemente. O estilo é um conjunto de cacoetes que criam um perfil reconhecível.
Machado de Assis injeta nos seus personagens alguns gestos mentais a que eles se entregam como um sujeito que tem um tique nervoso e esquece que o tem.
Nas Memórias Póstumas... (na página intitulada “Ao leitor”), Brás Cubas nos dá a medida da sua oscilação permanente entre um Desejo autocomplacente e uma anêmica Vontade. Diz ele:
“Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinqüenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco.”
Assim é Brás Cubas. Tem intenções ousadas, mas, depois de dissipada a adrenalina do arroubo inicial, elas vão se conformando, resignadas, às dimensões que lhes impõe a realidade.
Brás imagina-se grandioso, arrebatador, mas o fato de imaginar-se, curiosamente, basta-lhe. O grande gesto da intenção vai sendo diluído em miúdos pela vida real, porque o que mais lhe interessa é satisfazer sua fantasia íntima de rapaz mimado.
E há o episódio do almocreve (Cap. XXI). O jumento que ele monta espanta-se, ameaça disparar; Brás despenca da sela com o pé preso ao estribo, e ai dele se não fosse um almocreve que detém e subjuga o animal.
Recuperado, Brás agradece ao salvador e delibera, intimamente, dar-lhe três das cinco moedas de ouro que trazia consigo. Logo pondera se não bastariam duas. Examina a roupa do benfeitor, constata que é um pobretão, e chega a tirar do bolso uma única moeda. O almocreve está de costas. Depois de uma derradeira hesitação, Brás mete-lhe na mão um cruzado de prata. Torna a agradecer, monta.
Ao se afastar vê de longe o almocreve que gesticula, fazendo-lhe grandes cortesias, e pensa por fim que o outro foi apenas um instrumento da Providência, que estava lá por acaso, que não lhe coube mérito algum... E:
“Fiquei desconsolado com esta reflexão, chamei-me pródigo, lancei o cruzado à conta das minhas dissipações antigas; tive (por que não direi tudo?) tive remorsos”.
Depois do arroubo inicial, tudo decresce, tudo míngua, tudo se conforma à prudente mesquinhez do nosso herói.
E não há como não ver nisto um eco do “serrote” que protagoniza o conto “O Empréstimo” (Papéis Avulsos, 1882), um tal Custódio, que “nascera com a vocação da riqueza, sem a vocação do trabalho”. É um pedidor. Aquele da piada: “É colírio? Pinga aqui...”
Nas seis páginas perfeitas deste conto, Custódio assedia o tabelião Vaz Nunes por cinco contos de réis, que caem depois para quinhentos mil réis, e para duzentos, para cem, para vinte... No fim do conto, Custódio morde cinco mil réis de Vaz Nunes, e sai de rua afora, “pisando rijo, encarando fraternalmente os ingleses do comércio”.
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