Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 27 de fevereiro de 2010
1720) O vício de Daniel Dantas (16.9.2008)
Numa matéria recente, um jornalista comentou que o sofá no apartamento do banqueiro Daniel Dantas está rasgado. Dantas está envolvido no escândalo da Operação Satiagraha da PF, e é considerado um dos maiores manipuladores de fortunas deste país. Não vou questionar a lisura das suas operações financeiras. Isto fica para o Poder Judiciário do país (e os amigos mais cínicos me sussurram: “...que é justamente onde ele já comprou muita gente a peso de ouro”). É no sofá rasgado que quero me deter. O jornalista perguntava com seus botões, ou com suas teclas: “Como é que um sujeito bilionário tem um sofá rasgado e não troca? Por que fica se matando de trabalhar e se metendo em operações escusas, apenas para ganhar mais dinheiro do que poderia gastar?”.
Já li muitos livros sobre viciados em drogas, não porque o vício em si me desperte o interesse, mas porque são numerosos os escritores que usaram a literatura como equilíbrio a um vício que os destruía por dentro. Philip K. Dick e William Burroughs são os mais notórios. Os jovens pensam que eles foram grandes escritores por causa da droga. Na verdade, eles tinham com a droga a mesma relação que um atleta paraolímpico tem com sua deficiência física. Talvez tenha sido a deficiência que os transformou em atletas, e sem ela eles tivessem virado comerciários ou caixas de Banco; mas a atividade atlética é uma forma de provar ao mundo: “Eu sou isto que vocês estão vendo, mas não sou só isto”. A literatura de Dick e Burroughs era o outro prato da balança, que os ajudou a equilibrar o terrível peso da droga.
A droga de Daniel Dantas é o poder, é a vitória, é (perdoem-me a heresia) o pódio olímpico do golpe financeiro. Não é dinheiro que os move. Não é (como na nossa pacata vidinha) a perspectiva de comprar um sofá novo no mês que vem. É um jogo abstrato de números que na sua mente valem como números em si, não como soma monetária, valor de uso, poder aquisitivo. São os meros números: comprei por 5, vendi por 10... Não importa se são bilhões de dólares ou milhões de euros. Sua droga não é a economia, é a aritmética.
A vida de um drogado (dizia Burroughs) só tem dois momentos: a Aplicação e o Intervalo. A Aplicação é quando ele se auto-ministra a droga. O Intervalo é tudo que ocorre entre uma Aplicação e outra, e sua função é providenciar a próxima Aplicação (arranjar dinheiro, procurar um traficante, etc.). Assim deve ser a vida dos grandes banqueiros, dos grandes especuladores como George Soros ou Naji Nahas, dos grandes viciados no xadrez das armações corporativas. Lembram-se do filme Uma Linda Mulher? Eu lembro de algo, além dos lábios e dos olhos de Julia Roberts. Lembro de uma frase do “danieldantas” interpretado por Richard Gere. Quando ela lhe pergunta o que faz na vida, ele diz: “Compro empresas, quebro-as, e vendo os pedaços”. É um vício como qualquer outro: uísque, pedras de crack, seringa de heroína.
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