Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
1697) Machado: “20 anos! 20 anos!” (20.8.2008)
Este conto não é estruturalmente um conto, e sim um desses tecidos literários que Machado, sentando-se sem idéia e criando ao correr da pena, produzia de maneira tão espontânea. Uma “tranche de vie” flutuando nas fronteiras entre o conto e a crônica. O texto saiu em A Estação, em 15-7-1884, tem não mais do que três páginas, e acompanha o jovem Gonçalves, estudante e boêmio cuja família reside no interior. A mesada paterna lhe chega às mãos através de um correspondente do pai, residente na Corte (ou seja, na cidade do Rio), e tão logo chega, desaparece na caixa registradora dos bares e cafés. O conto se abre com Gonçalves amarrotando, ultrajado, a carta em que o correspondente se nega a ressarci-lo de uma despesa urgente (um sobretudo de peles, uma bengala), e mais, avisa que vai discutir o assunto com seu pai.
Gonçalves sai à rua disposto a esbordoar o atrevido, mas logo adiante é puxado para dentro de um café por um grupo de amigos. Fogem-lhe à mente a dívida pendente e a tunda planejada, e o que se segue é um retrato, tamanho camafeu, do cotidiano estróina e descuidado dos rapazes de boa família daquele tempo, que se perdem a conversar nos cafés, discutindo belezas femininas, falando de política, não sei do que mais: “Um dos colegas contou então um caso análogo, e, como falasse de passagem em Wagner, conversaram da revolução que o Wagner estava fazendo na Europa. Daí passaram naturalmente à ciência moderna; veio Darwin, veio Spencer, veio Büchner, veio Moleschott, veio tudo. Nota séria, nota graciosa, uma grave, outra aguda, e café, cigarro, troça, alegria geral, até que um relógio os surpreendeu batendo cinco horas.”
Os rapazes saem dali a somar os tostões para jantar num hotel modesto, e depois até São Cristóvão, para acompanhar o “footing” (o termo é meu, não de Machado) das moças no ponto dos “bonds” (dele, não meu). Voltam para a Rua do Ouvidor, para zanzar à frente dos teatros, pois não têm dinheiro para as entradas, e “uma hora depois vamos achá-los, no Rocio, discutindo uma questão de física”. E Gonçalves, o eternamente liso, encerra a noitada às nove, na Rua do Ouvidor, comprando fiado uma caixa de charutos. E o autor encerra o conto: “Vinte anos! Vinte anos!”.
Machado tinha 45 anos quando publicou este conto. No retrato que esboça vemos sua benevolência com a falta de responsabilidade da juventude, a ironia com a dissipação inconseqüente, e o “flash” das noitadas boêmias cariocas, que recordou em tantos outros contos e cujo retrato definitivo (creio) foi feito por Coelho Neto em A Conquista (1899). Seria interessante ler lado a lado este conto de Machado e o conto "After the Races” de Joyce (em Dublinenses, 1914). São duas miniaturas paralelas e parecidas, centradas em jovens (Gonçalves, Jimmy Doyle) que, inebriados pela bebida e pela companhia de amigos, acabam gastando mais do que podiam ou deviam. Mas qual é o problema, quando se tem um pai, quando se tem vinte anos?
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