Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
1695) Os cinco contos de Brás Cubas (17.8.2008)
(Reginaldo Farias em Brás Cubas)
Num artigo recente referi-me aos cinco contos que Brás Cubas, no romance de Machado de Assis, encontra na Praia de Botafogo e guarda no Banco. Como não me dei o trabalho de reler o livro todo, limitando-me a consultar esse capítulo, escrevi: “Se não me equivoco ainda lá estão, pois no resto do livro não se fala mais nisso”. Bem se diz que mais depressa se pega um jornalista em erro do que um mentiroso coxo; porque me surgiu a previdente leitora Hildete Nepomuceno para me aplicar um corretivo em regra. Cito:
“No capítulo LXX de M. P. de Brás Cubas: ‘Não fui ingrato; fiz-lhe um pecúlio de cinco contos, os cinco contos achados em Botafogo, como um pão para a velhice.’ No capítulo CXLII, há um bilhete de Virgília: ‘Dona Plácida está mal. Peço-lhe o favor de fazer alguma coisa por ela.’ Mas eu tinha-lhe deixado os cinco contos da praia de Botafogo.’ Capítulo CXLIII: ‘...sentia-me aborrecido, incomodado, com o pedido de Virgília. Tinha dado a D. Plácida cinco contos de reis; duvido que ninguém fosse mais generoso do que eu, nem tanto.’ Capítulo CXLV: ‘...Quanto aos cinco contos, não vale a pena dizer que um carteiro da vizinhança fingiu-se enamorado de D Plácida, logrou espertar-lhe os sentidos, ou a vaidade, e casou com ela; no fim de alguns meses inventou um negócio, vendeu as apólices e fugiu com o dinheiro.”
De fato. Caso o leitor não recorde, D. Plácida, entre as viúvas gordas e patuscas de Machado, é a que alcovita o adultério entre Virgília e Brás Cubas na casinha da Gamboa. É tocante que Brás Cubas – o vaidoso, egoísta, o cínico Brás Cubas – destinasse esse dinheiro para ser um amparo, na velhice, para aquela mulher simplória que foi medianeira de seus amores na juventude.
Recapitulemos. Quando jovem, Brás Cubas pretendia ser deputado e casar com Virgília. Candidatura e noiva foram-lhe arrebatadas por Lobo Neves. Ao se reencontrarem anos depois, Virgília está ainda mais bela, e ele decide tomá-la do marido, como vingança. (No capítulo XXVI, Brás Cubas diz que nasceu para ser “urso”, o que no linguajar de hoje tem justamente esta conotação.) Ao achar na rua uma “meia dobra” de ouro perdida por alguém, ele a embolsa, dizendo, “É minha!”. Seus direitos sobre a moeda não são maiores que seus direitos sobre Virgília.
Mas Brás devolve a moeda, num gesto altruísta e meio absurdo: manda-a para a polícia, para que procure seu verdadeiro dono! Conta obter com isto o entusiasmo do Destino, e recebê-la de volta, muitas vezes multiplicada. Dias depois acha cinco contos na praia. Também não são dele, mas ficam sendo, e ele os deposita no Banco. E agora vejo para que servirão esses cinco mil contos. Para gratificar no fim da vida a Dona Plácida, sem cuja casa e sem cujo amadrinhamento seus amores com Virgília não teriam prosperado. A “meia dobra” de ouro é a conquista de Virgília; os cinco contos são os anos de adultério feliz. São moedas de câmbio paritário, na contabilidade final de Brás Cubas.
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