segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

1689) Machado: “Um Erradio” (10.8.2008)



Quando garoto, este conto (de Páginas Recolhidas, 1899) era um dos meus preferidos de Machado, talvez por ser um dos raros, na Literatura Brasileira, em que se vê um personagem dando um mote para outro glosar. O erradio do título é Elisiário, um sujeito cuja enorme opa (espécie de capa comprida) provoca um amigo a propor o mote: “Podia embrulhar o mundo / a opa do Elisiário”. O narrador, Tosta, faz parte de um grupo de jovens que eram “estudantes, tradutores, revisores, namoradores, e ainda lhes sobrava tempo para redigir uma folha política e literária, publicada aos sábados”. Ou seja, uma turma de blogueiros, em linguagem atual. Elisiário tem 35 anos; o mais velho dos rapazes tem 21. Ele é uma espécie de guia, ídolo, mentor e maluco-de-estimação dos demais.

Tosta e o leitor descobrem Elisiário aos poucos. Ficam sabendo que ele era professor de latim e “explicador de matemáticas” (como nos fazem falta hoje tal ocupação e tal nomenclatura!). Estudara Medicina, Engenharia e Direito, largando os três cursos sem os concluir; e “seria bom prosador, se fosse capaz de escrever vinte minutos seguidos”. Já vemos aqui o familiar arquétipo machadiano: o artista sem obra, o talento sem foco, o indivíduo brilhante que por estas ou aquelas razões nunca consegue criar uma obra à altura do que é como pessoa e como promessa. De talentos assim estão cheios os bares e as cantinas de Faculdades, e vazias as estantes, onde só cabem os livros de quem nasceu com o gene operário de aparafusar palavras em folhas de papel.

“A imaginação evocativa,” diz Tosta, “era a grande prenda desse homem, que sabia dar vida às coisas extintas e realidade às inventadas”. Tosta admira em Elisiário “a imaginação fecunda e moça, que se desfazia em ditos, anedotas, epigramas, versos, descrições, ora sério, quase sublime, ora familiar, quase rasteiro, mas sempre original.” Elisiário cisma em escrever um drama, Tosta serve-lhe de escrivão, mas no meio do trabalho o autor desiste e larga tudo porque desencantou-se da idéia e já lhe surgiu uma melhor. Este padrão vai-se repetindo. No meio do conto, Elisiário casa com Jacinta, e o conto deixa de ser o relato de uma amizade para ser o de um casamento. Simples, sem muitas luzes e de poucas letras, Jacinta dedica-se a fazer de Elisiário um grande escritor, e Tosta passa a acompanhar à distância e a prestações, em visitas esporádicas, a transformação do amigo.

Não contarei o final, até porque este conto, como tantos de Machado, esvai-se, em vez de se concluir. Pouco importa. Entre as histórias machadianas sobre artistas que não se realizam em sua arte, acho-o igual, se não superior, a “Um Homem Célebre”, “Cantiga de Esponsais”, “O Machete”. Não é um conto de enredo, é um conto de personagens. Continuam enigmáticos para mim a cada releitura, tal a riqueza de nuances com que são descritos, e tal a inocência com que cumprem um destino que parece inevitável.

2 comentários:

  1. Oi...

    Não sei se interessa saber, mas encontrei os dois contos de Machado de Assis na rede (O Erradio e A Carteira):

    http://biblio.com.br/defaultz.asp?link=http://biblio.com.br/conteudo/MachadodeAssis/umerradio.htm

    http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000221.pdf

    http://biblio.com.br/defaultz.asp?link=http://biblio.com.br/conteudo/MachadodeAssis/carteira.htm

    http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1877

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  2. Acabei de ler esse conto e gostei do que escreveu sobre ele. Entendi que o conto se esvai e que o conto se preocupa em falar sobre o Elisiário - simplesmente. Vou seguir o seu conselho e ler "Cantiga dos Esponsais", "O Machete" e "Um Homem Célebre".

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