sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

1676) A elite invisível (26.7.2008)



(Ladder of Heaven de John Klimakos)

Quando a vida social é vista como uma escada, procuramos escalar os degraus de cima, e fugir aos de baixo. Ao percebermos as diferenças sociais, muda o uso de verbos como “subir” ou “descer”. Subir é bom, descer é uma catástrofe, porque desde cedo nos acostumam a ver a sociedade como uma pirâmide: um Topo onde está uma elite que tem tudo, uma Zona Média em que estamos nós, e uma Base onde estão aqueles que, na melhor das hipóteses, conseguem arranjar um emprego que lhes suga 12 a 14 horas por dia, mas evita que morram de fome. Quando nos ensinam a ver o mundo dessa forma, não há dúvida de que somos tomados de um desejo incoercível de subir. Talvez nem mesmo pela sedução dos paraísos de consumo e de hedonismo que possam nos aguardar lá em cima, mas pelo mero terror de ficarmos presos a um “aí em baixo” que para nós, da classe média, é ameaçadoramente próximo.

“Subir” tem dois objetivos: reconhecimento social e recursos financeiros, os populares “Fama e Fortuna”. São diferentes mas interligados, quanto mais a gente consegue de um mais fácil fica conseguir do outro. Algumas pessoas se contentam com um. Muitos artistas, por exemplo, passam a vida inteira numa pindaíba de dar dó, mas são felizes porque concedem entrevistas diárias, são chamados para animar bailes de formatura ou desfiles de modas, dão autógrafos no supermercado... E outras pessoas se contentam com a fortuna, como é o caso dos grandes banqueiros e investidores cujo nome sempre aparece nas listas dos “Cem Mais Ricos” e cuja foto nunca sai no jornal, que eles não são bestas.

Eu reconheço a existência e o peso dessa concepção verticalista da sociedade, mas questiono frontalmente seus critérios. Nunca tive como objetivo a escalada social. Nunca tive vontade de sair da classe média onde nasci. Não só nunca procurei ficar rico, como sempre evitei, cuidadosamente, qualquer atividade que pudesse me levar nessa direção. Nunca quis ser publicitário, por exemplo, para desconsolo de vários amigos que me profetizavam um futuro brilhante, tostando-me em Ibiza ou Aruba, tomando daiquiris, rodeado de havaianas dançando hula-hula. Não quis. Não combino.

Acho que o nosso objetivo (se não de todos, pelo menos dos sensatos) deveria ser uma ascensão, mas não uma ascensão rumo ao topo da pirâmide social, mas rumo a uma Elite. Nos seus textos em prosa, Fernando Pessoa se refere à existência de uma elite de seres humanos superiores, que possuem saber mas não o ostentam, que possuem poder mas só o exercem submetendo-o ao equilíbrio. Essa elite não consta de gênios, reis ou banqueiros. É formada por pessoas de ocupações modestas: escriturários, alfaiates, donas de casa, mestre-escolas, tipógrafos. Não são intelectuais: são sábios. Não são aristocratas: sua nobreza é a do espírito. São essas pessoas invisíveis o esteio de sabedoria e ética que mantém a humanidade a salvo de si própria. É a essa Elite que espero um dia pertencer.

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