Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
1656) “Poesia” e “romance” (3.7.2008)
(a 1a. imagem da pesquisa do Google para a palavra "romance")
Certa vez, num debate, uma senhora da platéia opinou:
-- Eu não sei por que consideram João Cabral um dos maiores poetas brasileiros. As coisas que ele escreve não têm poesia nenhuma.
Eu perguntei:
-- O que é poesia, para a senhora? Que poesia é essa que a sra. não encontra nos poemas dele?
E ela disse:
-- Ora!... É uma criança sorrindo, um pássaro cantando, uma mãe vendo o filhinho adormecido... Poesia é isso!
Não manguem, companheiros, porque ela tinha lá suas razões. Durante muito tempo (milênios, ao que parece) era voz geral de que a poesia existia para falar nesses assuntos, reproduzir essas imagens.
O que há é que a poesia lírica brasileira dedicou-se a esses temas durante muito tempo. São temas simples, entendíveis por qualquer leitor (e leitora), de fácil ressonância afetiva. Estão para a literatura assim como estão para a pintura os quadros a óleo representando crepúsculos, jarros de flores, praias com coqueiros.
Os leitores que gostam disso consideram que a função da poesia escrita é falar sobre isso, e se quedam perplexos quando Cabral vem falar de cabras.
O que aconteceu foi uma contaminação da forma literária, a poesia, por um conteúdo específico que se cultivou através dela por algum tempo. A poesia pode e deve falar de qualquer coisa. É uma forma de criação verbal sujeita a regras quanto a sua forma, sem restrições ou obrigatoriedades quanto ao assunto.
Mas quando se insiste muito num tema específico ele passa a ser identificado com o próprio conceito de Poesia.
Coisa parecida, e ainda mais complicada, se dá com a palavra “romance”. Muito antigamente, era todo o conjunto de narrativas feitas nas línguas românicas, ou seja, aquele monte de idiomas resultantes do Latim, falado pelos romanos.
Depois passou a ser usado para designar narrativas em prosa de uma certa extensão.
Do século 19 em diante, com o aumento da alfabetização e a expansão do público leitor, principalmente o público leitor de livrinhos bem baratos, proliferaram as histórias de amor, casamento, traição, fidelidade, etc. Histórias muitas vezes contadas do ponto de vista das personagens femininas: suas atribulações para achar marido, para vencer a concorrência e a maledicência das falsas amigas, para casar, para manter o marido fiel num mundo cheio de tentações...
Enfim: romance passou a ser a narrativa em prosa que falava disso.
Ecos dessa confusão permanecem até hoje. Quando dizemos que alguém é “romântico” queremos dizer que é dado a gestos carinhosos, afetivos, que demonstram sensibilidade para com as mulheres. Ou seja: ele se comporta como os heróis daqueles “romances”.
Os gêneros literários são definidos pelos teóricos através de suas características de forma, de estrutura, de uso da linguagem ou dos elementos narrativos. Mas o público não está nem aí para isto. O público classifica os gêneros pelos assuntos, que são, na maioria das vezes, tudo que o público consegue assimilar e perceber.
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