Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 14 de fevereiro de 2010
1653) “O Grande Golpe” (29.6.2008)
O “filme de assalto” é um dos gêneros cinematográficos que o público nomeia com a certeza intuitiva de quem sabe do que está falando. Os críticos o classificam como um sub-gênero do filme policial, e em inglês têm inclusive um termo específico para ele, “caper”. Os melhores filmes desse tipo obedecem a uma estrutura que acaba por transformá-los em parábolas metafísicas sobre Ordem e Caos. Um grupo de homens planeja o assalto perfeito, concebido nos mínimos detalhes, muitas vezes com uma cronometragem perfeita de cada lance, de cada ação. Na hora da execução, essa planejamento lógico é atropelado pelo que se chama “o elemento humano”. Em vez de um mecanismo funcionando com precisão de um relógio, o que vemos é o pipocar de pequenos acasos, distúrbios e imprevistos que corroem o plano por completo e o transformam num fracasso. Os filmes de assalto são a demonstração viva de que “a teoria, na prática, é outra”.
O Grande Golpe (“The Killing”, 1956) de Stanley Kubrick é herdeiro direto de dois filmes de John Huston em que um plano longamente elaborado dá com os burros nágua: O Tesouro de Sierra Madre (1947) e O Segredo das Jóias (1950). Kubrick conhecia e admirava ambos; e escalou no papel principal o mesmo protagonista desse último filme, Sterling Hayden, ator que voltaria a atual com ele em Dr. Fantástico, em 1963. Outro ator, Tim Carey, que faz aqui o papel do atirador de rifle, parece ter inspirado Peter Sellers em Dr. Strangelove, com sua fala de dentes trincados e um esgar permanente.
Kubrick inova com sua estrutura semi-documental, narração brusca, cortes rápidos, múltiplo ponto de vista, e a ação sendo descrita por um locutor impessoal, em “off” situando os fatos da fragmentada cronologia do assalto: “Meia hora antes disto, às 7 horas e 30 minutos, Fulano estava chegando no local combinado...” O múltiplo ponto de vista adotado embaralha a narrativa. Depois de mostrar uma cena pelos olhos de X, ele volta no tempo para mostrar o que vinha acontecendo com Y. Os executivos do estúdio chiaram. Exigiram que o filme fosse remontado em ordem cronológica. Kubrick, sem dinheiro e dependente dos produtores, até tentou, mas depois bateu o pé. A estrutura, que já estava toda no romance original de Lionel White, era o que o filme tinha de mais original. E ele estava certo.
Há muitos pontos de contato entre O Grande Golpe e O Segredo das Jóias. A diferença é que quando Huston dirigiu este, já era um veterano de 44 anos, e ”The Killing” era apenas o terceiro filme de Kubrick, então com 27. Os dois filmes têm um clima visual asfixiante, com aquela fotografia em claro-escuro que se tornou típica do “filme noir”. Os personagens são individualizados com traços rápidos: não são simplesmente o bandido 1, o bandido 2, etc., cada um tem um perfil, uma história, um conjunto de características que torna suas ações plausíveis, mesmo quando se comportam de forma inesperada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário