domingo, 14 de fevereiro de 2010

1653) “O Grande Golpe” (29.6.2008)




O “filme de assalto” é um dos gêneros cinematográficos que o público nomeia com a certeza intuitiva de quem sabe do que está falando. Os críticos o classificam como um sub-gênero do filme policial, e em inglês têm inclusive um termo específico para ele, “caper”. Os melhores filmes desse tipo obedecem a uma estrutura que acaba por transformá-los em parábolas metafísicas sobre Ordem e Caos. Um grupo de homens planeja o assalto perfeito, concebido nos mínimos detalhes, muitas vezes com uma cronometragem perfeita de cada lance, de cada ação. Na hora da execução, essa planejamento lógico é atropelado pelo que se chama “o elemento humano”. Em vez de um mecanismo funcionando com precisão de um relógio, o que vemos é o pipocar de pequenos acasos, distúrbios e imprevistos que corroem o plano por completo e o transformam num fracasso. Os filmes de assalto são a demonstração viva de que “a teoria, na prática, é outra”.

O Grande Golpe (“The Killing”, 1956) de Stanley Kubrick é herdeiro direto de dois filmes de John Huston em que um plano longamente elaborado dá com os burros nágua: O Tesouro de Sierra Madre (1947) e O Segredo das Jóias (1950). Kubrick conhecia e admirava ambos; e escalou no papel principal o mesmo protagonista desse último filme, Sterling Hayden, ator que voltaria a atual com ele em Dr. Fantástico, em 1963. Outro ator, Tim Carey, que faz aqui o papel do atirador de rifle, parece ter inspirado Peter Sellers em Dr. Strangelove, com sua fala de dentes trincados e um esgar permanente.

Kubrick inova com sua estrutura semi-documental, narração brusca, cortes rápidos, múltiplo ponto de vista, e a ação sendo descrita por um locutor impessoal, em “off” situando os fatos da fragmentada cronologia do assalto: “Meia hora antes disto, às 7 horas e 30 minutos, Fulano estava chegando no local combinado...” O múltiplo ponto de vista adotado embaralha a narrativa. Depois de mostrar uma cena pelos olhos de X, ele volta no tempo para mostrar o que vinha acontecendo com Y. Os executivos do estúdio chiaram. Exigiram que o filme fosse remontado em ordem cronológica. Kubrick, sem dinheiro e dependente dos produtores, até tentou, mas depois bateu o pé. A estrutura, que já estava toda no romance original de Lionel White, era o que o filme tinha de mais original. E ele estava certo.

Há muitos pontos de contato entre O Grande Golpe e O Segredo das Jóias. A diferença é que quando Huston dirigiu este, já era um veterano de 44 anos, e ”The Killing” era apenas o terceiro filme de Kubrick, então com 27. Os dois filmes têm um clima visual asfixiante, com aquela fotografia em claro-escuro que se tornou típica do “filme noir”. Os personagens são individualizados com traços rápidos: não são simplesmente o bandido 1, o bandido 2, etc., cada um tem um perfil, uma história, um conjunto de características que torna suas ações plausíveis, mesmo quando se comportam de forma inesperada.

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