Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 14 de fevereiro de 2010
1652) A vanguarda de Kenny G. (28.6.2008)
(Kenneth Goldsmith)
Eu tenho uma admiração instintiva pelas vanguardas, mesmo quando às vezes acho idiótico o que fazem. É a coragem de fazê-lo que me encanta. Outra coisa que nunca deixa de me seduzir numa vanguarda qualquer é ver que ela tem senso-de-humor. Um movimento vanguardista que consegue rir de si mesmo e do mundo é algo precioso. Nada mais chato do que o pessoal que revoluciona a Arte como se estivesse decretando uma falência ou invadindo Estalingrado. É o humor que me faz perdoar excessos em muitos grupos vanguardistas: o Surrealismo, a Patafísica, a Oulipo... Curiosamente são três movimentos literários franceses. Parece que só o humor consegue relaxar a crispação cartesiana dos francos.
Referi-me dias atrás ao poeta Kenneth Goldsmith, o criador (ou pelo menos o defensor mais ardoroso) da Poesia Conceitual. Goldsmith é o autor de Day, o livro que copia integralmente um número do “New York Times”, de 1 de setembro de 2000. É um calhamaço gigantesco, que pesa não-sei-quantos-quilos e que a maioria das pessoas concorda ser ilegível. Conceitualmente, isto coloca uma interessante questão: é ilegível porque é em formato de livro, no entanto todos os dias milhares de pessoas compram o seu equivalente em formato de jornal. Ninguém se sente na obrigação de lê-lo por inteiro, não é mesmo? Fico me perguntando se a situação seria diferente caso o exemplar escolhido por Goldsmith fosse o de 12 de setembro de 2001.
O poeta (assim ele é chamado) tem senso de humor. Ele mantém um programa semanal numa rádio de Nova Jersey sob o nome artístico de “Kenny G.”. Na abertura do saite da “Poetry Foundation” (http://poetryfoundation.org/dispatches/journals/2007.01.22.html) ele diz: “Sempre fiquei meio desconfortável ao ser chamado de poeta. Se Robert Lowell é um poeta, eu não quero ser poeta. Se Robert Frost era um poeta, eu não quero ser poeta. Se Sócrates foi um poeta, então eu considerarei a possibilidade”.
Goldsmith usa textos não-literários para produzir suas obras, como Weather (2005), a mera transcrição de um ano inteiro de boletins meteorológicos. Ele nos adverte sobre a importância de considerar os aspectos meramente físicos da escrita: “Se digitarmos um livro inteiro de Kerouac, aprenderemos mais sobre ele do que imitando seu estilo”. Sobre o livro em que copia o “New York Times”, ele se defende com eloqüência: “É o maior livro que já foi escrito. Tem tudo ali. Tem paixão, tem amor, tem guerra, tem ódio, tem vitória, tem derrota, tem homicídio, tem luxúria. E tem cotações da Bolsa. Lembra? Eles costumavam publicar as cotações da Bolsa”.
Quem quiser conhecer mais sobre esse fascinante tipo de literatura (não, colegas, não estou sendo sarcástico) pode visitar a UbuWeb em: http://ubu.com/concept/. Esse pessoal está para a literatura assim como os técnicos de estúdio e os luthiers estão para a música. Alguém terá coragem de chamá-los malucos, ou de negar-lhes entrada no templo?
Nenhum comentário:
Postar um comentário