Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
1635) Com música nos ouvidos (8.6.2008)
(Kipling, por Don Coker)
Já se disse que a poesia vai deixando de ser poesia à medida que se afasta da música. Claro que isto não vale para as formas mais recentes de poesia, formas visualistas, geometrizadas, que usam o Espaço em vez do Tempo; formas que são criadas para a Página e só se realizam na Página. Nada contra! Mas a presente consagração acadêmica que esse tipo de poesia vem obtendo desde o Concretismo dos anos 1960 precisa ser contrabalançada com um saudável retorno à poesia que se realiza no Tempo, e não no Espaço; a poesia que pensa nos sons das palavras, e não no formato das letras que as compõem. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, companheiros!
Deus me livre que um dia alguém baixe uma Medida Provisória obrigando todo poema a ter métrica e rima. Digo isto, não porque deteste a métrica e a rima, mas porque as reverencio, cultivo e defendo. Não quero ninguém legislando minha liberdade, ninguém interferindo de fora num domínio que pertence apenas a nós. Porque existem dois tipos de poetas. (OK, existem muitos mais – mas para efeito do presente artigo são dois.) O primeiro é o Poeta Músico, aquele que vê na poesia uma extensão da canção oral das tribos antigas, dos cantos em volta da fogueira, dos contadores de histórias que recorriam a melodias monocórdias e recorrentes para hipnotizar suas audiências e implantar nelas os memes do seu conto. E existe o Poeta Artista Plástico, filho de Johann Gutenberg e Marshall McLuhan (esse casal perpetuamente em crise), filho da revista ilustrada, da foto, da TV, do desenho industrial, da letra-set e do computador. O poeta que trabalha e retrabalha seus caligramas, seus poemas-processo, seus grafismos e leiautes.
Augusto dos Anjos declarou que compunha seus poemas mentalmente, recitando-os e repetindo-os de forma compulsiva, antes de passá-los para a página. Ainda hoje me pergunto se poemas gigantescos como “As Cismas do Destino” foram compostos assim (o que duvido). Outros autores fazem o mesmo por uma questão de hardware. Poetas com deficiência visual, como Jorge Luís Borges e Glauco Mattoso, sentem-se mais à vontade com formas fixas, como o soneto. Elas lhes possibilitam a composição puramente mental (tanto Borges quanto Glauco são notórios insones), pois a própria estrutura de métrica e rima auxilia a memorização.
Diz-se que Rudyard Kipling costumava compor seus poemas de cabeça, enquanto cuidava do jardim. Ficava solfejando hinos protestantes, baixinho, mas as pessoas da família sabiam que ele estava de certa forma “botando letra” nesses hinos – estava compondo um poema valendo-se da estrutura mnemônica do hino. Fico pensando que curiosa tese de doutorado isto poderia render, se alguém de cultura inglesa-protestante se desse o trabalho de comparar os poemas do mestre aos hinos em voga durante o seu tempo de vida. Como dizia o poeta – “de la musique, avant toute chose!”
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