sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

1611) As modas literárias (11.5.2008)



(Rubem Fonseca)

Houve uma época, a partir dos anos 1960, em que o sucesso de Guimarães Rosa e James Joyce dava aos jovens da minha geração a idéia de que escrever bem era inventar palavras novas o tempo inteiro, recriar o “fluxo de consciência” dos personagens, etc. Foi um momento salutar para a literatura. Ajudou a libertar o talento de escritores que tinham instintivamente esse perfil mas não achavam um ambiente propício junto à crítica e o público. Rosa e Joyce os libertaram para ser quem realmente eram. O problema é com os escritores que não eram assim, mas acharam que para serem publicados e admirados teriam que escrever assim. A gente sente, instintivamente, quando o autor não tem uma idéia muito clara do que está fazendo e o faz somente para seguir uma moda.

Talvez Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Rubem Fonseca sejam os autores brasileiros com maior número de seguidores hoje em dia. “Seguidores” são pessoas que sofreram uma forte influência. São os que se identificaram a tal ponto com Fulano de Tal que absorveram suas idéias, suas opiniões, seu vocabulário, seu ritmo de fala, seus cacoetes, seus preconceitos, seus equívocos. Ao escrever, vibram em uníssono com o espírito de Fulano, e o que fazem não é nem sequer imitação, chega a ser quase uma psicografia mediúnica (mais admirável ainda quando se trata de autor vivo).

No caso de Clarice e de Rosa, é principalmente a linguagem que escraviza os jovens imitadores. Há leitores com uma propensão instintiva para o jogo lúdico da linguagem, a montagem e desmontagem de palavras novas, a derivação imprevisível, que são características de Rosa. Como ainda são muito jovens, não tiveram tempo de desenvolver isto por conta própria, e ao ler Grande Sertão na adolescência sofrem uma conversão brutal e definitiva como a que São Paulo sofreu na estrada de Damasco. Tornam-se rosianos, antes de terem tempo de ser quem são.

O mesmo se dá com Clarice, com sua sintaxe truncada que corresponde de maneira tão tocante às dificuldades dos adolescentes em produzir um raciocínio coerente com começo, meio e fim. Estão ali as crises de identidade em que nos sentimos dezenas de seres contraditórios e incompatíveis. As neuroses mansas que em vez de nos destruir como um fogo nos mantêm insones como uma luz. A catação incessante de cacos de uma realidade nunca apreendida por inteiro, e onde tudo oscila entre o urgente e o irremediável.

Já Rubem Fonseca veio ao encontro de numerosos escritores com propensão para a prosa jornalística, a ética estóica do “roman noir” americano, e um cinismo “blasé” e auto-suficiente que é tão carioca. Rubem fez com a narrativa policial brasileira o que Dashiell Hammett fez com a americana. Suas lições (como as de Rosa e Clarice) são numerosas e enriquecedoras, mas mais fácil do que estudar seus métodos (o que certos autores fazem com êxito) é tentar reproduzir seus resultados, o que já naufragou tanta gente.

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