Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
1572) O último livro de Nabokov (27.3.2008)
(o manuscrito de Nabokov)
O russo Vladimir Nabokov foi um desses casos raros de um escritor com outra língua materna que tornou-se um mestre da literatura em inglês. O outro foi o polonês Joseph Conrad; há também o caso de Isaac Asimov, mas chamá-lo de “mestre” seria forçar a barra. Depois de publicar numerosas obras que lhe trouxeram fama e fortuna (Lolita, O Olho Vigilante, Gargalhada no Escuro, Fogo Pálido, Ada, A Verdadeira Vida de Sebastian Knight), Nabokov morreu em 1977 e deixou nas mãos da viúva Vera e do filho Dmitri o manuscrito de um romance intitulado provisoriamente The Original of Laura, com instruções para destruí-lo, por ter ficado incompleto. Vera faleceu em 1991 sem tê-lo feito; Dmitri está agora com 73 anos e ainda não o fez. Por quê?
Esta é uma discussão que vem esquentando nos últimos meses na imprensa dos EUA. Alguns defendem a idéia de que a vontade de um autor é soberana. Se ele acha que um manuscrito ficou inacabado, ficou insuficiente, imperfeito, ele tem todo o direito de impedir que o público o veja. É o que fazemos em vida, quando rasgamos o que não nos satisfaz. (Ou quando o guardamos sem publicar. A gente escreve tanta coisa ruim que às vezes é bom reler de vez em quando, pelo menos para acreditar que evoluiu.) Outras pessoas acham que a humanidade tem o direito de conhecer o rascunho da última obra de um grande escritor, mesmo contra sua vontade. Citam o exemplo de Kafka, que pediu ao amigo Max Brod para queimar seus manuscritos. Brod desobedeceu, e aí estão os livros para quem quiser ler.
Na revista Slate, o crítico Jon Rosenbaum publicou dois artigos (http://www.slate.com/id/2181859/fr/rss/ e : http://www.slate.com/id/2185222/) tentando deslindar esse nó, e valendo-se do seu contato direto, por email, com Dmitri Nabokov. O manuscrito original consta de cerca de 50 cartões pautados escritos à mão, guardados num banco suíço. Alguns estudiosos já tiveram acesso a eles, e dão versões conflitantes sobre o que seria o enredo de The Original of Laura. Há influências dos sonetos de Petrarca, do filme homônimo de Otto Preminger, do “Retrato Oval” de Poe, do próprio Lolita? Mistério. O debate prossegue: queimar ou publicar? Rosenbaum sugere um meio-termo: ceder o manuscrito a uma das universidades ligadas à carreira docente de Nabokov, para ser consultado apenas por pesquisadores autorizados.
Max Brod defendeu-se dos que o acusaram de trair o último pedido de Kafka: “Ele não queimou os manuscritos quando poderia tê-lo feito pessoalmente. Pediu isso a mim, e sabia que eu era contra. No fundo, queria que fossem publicados”. Talvez seja diferente o caso de Nabokov, um perfeccionista no limiar da neurose. Por outro lado, Rosenbaum lembra que o autor era fascinado por todo tipo de jogo, truque, ilusionismo verbal, metalinguagem, e talvez essa “última vontade” fosse apenas pretexto para um último espetáculo de prestidigitação literária.
A vontade dos que se vão, escritores ou meros mortais, deveria ser respeitada, Entretanto
ResponderExcluirha casos em que a posteridade deve ter o privilégio do julgamento, mesmo que a matéria "postuma" seja menos interessante ou de menor qualidade: Justamente pelo fato de que nem todos os gênio são sempre gênios. Ainda hoje vemos - para dar um exemplo "barato" filmes altamente apreciados e bem criticados (e muitas vezes francamente abaixo das qualidades costumeiras) só por terem sido assinado por diretores que FORAM excelentes, mas que também fazem mediocridades, só que ningué tem coragem de apontá-las.
Aos pósteros deveria ficar sempre o julgamento final.