Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
1556) “A montanha dos 7 abutres” (8.3.2008)
Os cursos de Jornalismo bem que poderiam exibir e discutir alguns filmes memoráveis sobre nosso ofício, que os mais mordazes dizem ser a segunda mais antiga das profissões. Hollywood tem uma balança pesada de pecados a pagar, mas no prato oposto existem algumas centenas de títulos, cada um dos quais pesando o equivalente a dez dos que estão no lado oposto. Graças a isso sobrevive.
Este filme de Billy Wilder, realizado em 1951 sob o título Ace in the Hole (depois mudado para The Big Carnival) é a história de um jornalista carreirista e inescrupuloso, desses dispostos a qualquer coisa para dobrar a circulação do jornal e triplicar o próprio salário.
Chuck Tatum (Kirk Douglas) é um jornalista caído na lista negra que chega ao Novo México em busca de uma segunda chance, e acredita tê-la encontrado quando descobre um homem que acabou de ficar parcialmente soterrado numa mina. Tatum percebe que quanto mais tempo demorar o socorro mais jornais ele poderá vender.
Ele se alia a um xerife desonesto, pressiona o médico, manipula e depois seduz a quase viúva, intimida os pais de Leo (o mineiro soterrado), e cria num piscar de olhos um enorme carnaval em torno da mina, com cobrança de ingresso, transmissão ao vivo pelo rádio, barracas de hamburgers, shows de música. O resgate, que normalmente precisaria de um dia, arrasta-se por mais de uma semana. Enquanto isto, a quase viúva (que elogia com desdém o caráter do marido), começa a bater pestanas para ele.
Tatum é um dicionário ambulante de máximas e mandamentos do jornalismo marrom, ou até do jornalismo sério, o jornalismo preto-e-branco. “Hoje, é uma boa reportagem; amanhã, vai servir para embrulhar peixe”. Para o xerife, ele diz: “Dance pela minha música e será reeleito. Não dance e eu o crucifico”. “Posso lidar com pequenas notícias e grandes notícias, e se faltarem notícias eu saio para a rua e mordo um cachorro”. “Más notícias vendem melhor, porque boas notícias não são notícia”.
A história acontece num deserto do Oeste, um lugar de sol cegante e calor insuportável. É a versão diurna do chamado “filme noir”, o qual, por definição, transcorre quase todo durante a noite, e noite de chuva ainda por cima. Nos filmes como este, no entanto, a ambientação são as ensolaradas e sufocantes cidadezinhas do interior, onde é possível fritar um ovo no calçamento, e onde o filme encontra os mesmos “homens desesperados e mulheres fatais”. Homens capazes de qualquer crime para ficarem ricos; e mulheres capazes de qualquer traição para irem embora dali.
São cidades claustrofóbicas, por mais que estejam cercadas das vertiginosas vastidões do Oeste americano. A mulher de Leo está tão presa ali quanto o marido, soterrado da cintura para baixo pelo desmoronamento. Billy Wilder satirizou o jornalismo em A Primeira Página, dissecou um casal “noir” em Double Indemnity. Este filme é de certa forma a síntese entre os dois.
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