quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

1549) 29 de fevereiro (29.2.2008)



Sempre imaginei como as pessoas nascidas nesta defectiva data comemoram seus aniversários num ano não-bissexto. No dia 28 de fevereiro? No dia 1o. de março? Aniversariar nessa “data virtual” me parecia, na infância, uma injustiça, porque em 75% dos casos a pessoa tinha que pedir uma data emprestada para fazer sua própria festa. Ficava órfão, exilado no tempo, tal como existem os exilados no espaço, como aquele personagem de Tom Hanks no filme Terminal, cujo país deixa de existir quando ele está em viagem, seu passaporte perde a validade, e ele não pode mais voltar para casa nem desembarcar alhures.

Se bem me lembro das minhas aulas de Geografia com D. Zefinha, inventaram esse dia extra para compensar a imprecisão da volta da Terra em torno do Sol, que dura 365 dias e 6 horas. Essas 6 horas vão se acumulando a cada ano que passa. São 6 no primeiro ano, 12 no segundo, 18 no terceiro, 24 no quarto... E para que a conta dê certo, ou seja, para que em cada dia do ano estejamos numa posição análoga à da mesma data um ano atrás, é preciso criar um dia extra que absorva essas 24 horas. O 1o. de março logo após um 29 de fevereiro deve ser, então, o dia em que a normalidade da translação da Terra foi restabelecida. Já o dia de anormalidade mais aguda (de acúmulo de horas-extra divergindo do normal) será então o dia 28 de fevereiro anterior a esse dia “normalizador”. Talvez se pudesse ter adicionado esse dia a qualquer outro mês, e teríamos o 31 de abril, de junho, de setembro ou de novembro. Mas como fevereiro era o mês mais cronologicamente prejudicado, recebeu essa compensação simbólica.

Vi um cara dizer, ao fazer 24 anos: “Na verdade, é o sexto aniversário que eu comemoro”. A perda de um dia tão simbólico talvez seja um trauma que se carrega em surdina pelo resto da vida, e qualquer dia vou verificar se existe no Orkut alguma comunidade tipo “Eu nasci em 29 de fevereiro!”. Essa sensação de não-pertencimento parece um pouco com a daquelas crianças que, tendo recebido nomes estrangeirados (Washington, Kátia, Yolanda, etc.) constatam com apreensão, nas aulas de Português, que suas letras “não existem” (ao que parece, a reforma ortográfica em processo vai corrigir essa bobagem e trazer de volta o K, o W e o Y, três letras que nenhum mal nos fizeram).

Não resisti e fui dar uma olhada na Wikipedia para ver pessoas nascidas “hoje”. Encontrei o escritor de ficção científica Tim Powers, o humorista Jaguar, o quadrinhista Serpieri (alguém aí lembra de Druuna?), a atriz francesa Michele Morgan, a cantora de jazz Dinah Shore, o escritor Dee Brown (autor de Enterrem meu coração na curva do rio), o música e maestro Jimmy Dorsey, o compositor Rossini (autor do Barbeiro de Sevilha). O que isto prova? Absolutamente nada. Qualquer dia do calendário nos dará uma seleção de talentos tão aleatória quanto a deste dia abduzido pelas conveniências cartorialistas da astronomia e dos calendários.

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