quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

1524) “O Grande Truque” (31.1.2008)



Acabei de reler o romance The Prestige de Christopher Priest. Ele serviu de base para o filme O Grande Truque de Christopher Nolan, a história da rivalidade entre dois mágicos de salão na Londres do século 19. O livro já tinha me deslumbrado à primeira leitura, em 1999. Agora, tendo acabado de ver o filme de Nolan, reli com prazer redobrado suas 404 páginas, porque é uma dessas obras que, como a mágica de salão, nos dão a impressão de estar vendo uma coisa quando o que acontece de verdade é outra. Após o desfecho e a revelação dos seus numerosos segredos, o livro nos obriga a uma releitura, na qual constatamos que o autor foi escrupulosamente honesto (não nos mentiu nem uma vez sequer) e ainda assim, como um bom ilusionista, nos enganou o tempo todo.

Priest é um respeitado autor da ficção científica britânica. Seus livro mais famoso é The Inverted World (1974), uma fábula futurista sobre um planeta artificial em movimento contínuo, e que começa com uma frase desconcertante: “Eu tinha atingido a idade de 650 milhas”. Priest gosta de criar paradoxos de tempo e de espaço, e recorreu a novamente eles em A Máquina do Espaço (1976), uma releitura do clássico A Máquina do Tempo de H. G. Wells.

The Prestige conta a rivalidade entre dois ilusionistas que tentam roubar os segredos um do outro e criar truques de palco que o outro seja incapaz de reproduzir. Grande parte do fascínio do livro são as discussões sobre a essência da magia de palco, na qual sabemos que tudo é truque, mas temos o susto e o deslumbramento de poder pensar que presenciamos pequenos milagres. A maior parte do romance consta dos diários secretos que Alfred Borden e Rupert Angier mantiveram durante a vida inteira, nos quais eles parecem contar toda a verdade a respeito de si mesmos, e dão versões conflitantes dos episódios em que se envolveram. Cabe ao leitor decidir em quem acreditar.

Priest é um escritor de prosa clara e fluente. Teria que ser assim, para obter o efeito que pretende, assim como não faz sentido um mágico praticar truques de prestidigitação num ambiente pouco iluminado, onde a gente não possa ver com clareza o que some e o que surge. O mágico precisa dar a sensação de que está mostrando tudo. Daí o gesto clássico de puxar as mangas do paletó, erguer as mãos à luz, mostrá-las de frente, por trás... e no instante seguinte fazer aparecer ali um pombo ou uma vela acesa. A literatura é a mesma coisa. Quem critica a prosa sem enfeites de Agatha Christie e outros autores de mistério não percebe que, para obter os efeitos pretendidos, não faria sentido tentar uma prosa tipo Guimarães Rosa. Tudo tem que ser nítido, claro, banal e definido. O mistério tem que ser mostrado com nitidez para que no fim o leitor perceba que a solução estava ali à sua frente o tempo todo, e ele a viu, mas pensava que estava vendo outra coisa. Conseguir isto é uma façanha literária tão notável quanto escrever bonito.

2 comentários:

  1. Pois é...estou lendo o livro e estou encantada.

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  2. E como ocorre com todo grande livro de mistério, é preciso ler pelo menos duas vezes para entendê-lo. Às vezes as respostas vêm antes, mas como ainda não formulamos as perguntas, não as percebemos.

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