quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

1514) “Dia de Fúria”(19.1.2008)



Revi no DVD esse filme de Joel Schumacher, que não é um grande filme do ponto de vista cinéfilo – pode ser considerado um caso clínico de aplicação de clichês narrativos -- mas é um checape eficiente no espírito militarista e agressivo norte-americano. Se alguém quer saber por que motivo os EUA são um país cada vez mais tendente ao fascismo, ao militarismo de direita, o personagem de Michael Douglas é um belo sintoma. Douglas é Bill, um executivo de Los Angeles que, num dia de calor insuportável, fica preso num engarrafamento e acaba abandonando seu carro e dispondo-se a percorrer a pé o restante do seu trajeto. Bill precisa caminhar por bairros violentos habitados por gangues de mestiços, um ambiente onde ele – louro, de óculos, cabelo escovinha, camisa branca, gravata -- se destaca como um gato preto em campo de neve.

Bill é aquele sujeito que está a uma gota dágua da crise homicida, e essa gota dágua não demora. Seu trajeto vai sendo mapeado pela polícia a partir de cada entrevero cuja notícia chega à delegacia. Uma série de conflitos violentos, resultando em morte, todos envolvendo um sujeito que corresponde àquela descrição. O policial Prendergast (Robert Duvall) vai traçando o percurso de Bill mais ou menos como os astrônomos traçam a trajetória de um cometa. Percebe que ele ruma para a praia de Venice, e aos poucos vai descobrindo quem é ele e para onde se encaminha – ou seja, para a casa da ex-esposa, que quer ver o diabo em pessoa mas não o pai de sua filha.

No confronto final, Bill desabafa; “Quer dizer que eu sou o bandido? Onde foi que eu errei? Eu sou um cara direito. Trabalho numa fábrica de mísseis, ajudo a América a se defender dos comunistas”. Bill representa a revolta daqueles norte-americanos que, acostumados a mandar no mundo, vêem-se de repente invadidos por comerciantes coreanos que cobram preços exorbitantes por uma lata de Coca ou por uma aspirina. Quando o desequilíbrio da indústria e do comércio mundial começa a atingir o bolso do consumidor norte-americano, Bill não conta conversa: pega um bastão de beisebol e bota abaixo a mercearia do coreano.

A desorientação de Bill se parece à do protagonista de A Fogueira das Vaidades (livro de Tom Wolfe, filme de Brian de Palma), que faz errado um retorno numa via expressa, sofre um acidente, e daí em diante não tem mais sossego. É o desespero de toda a classe média que baseou sua vida no anti-comunismo, no trabalho honesto, no consumo desenfreado, e na certeza absoluta de que seus valores de raça, de classe e de nação representam O Fim da História, o ponto mais elevado e mais avançado da evolução social humana. Quando seu cotidiano encontra um obstáculo e descarrila, ele descobre que vivia numa bolha de falsas certezas e de falsas seguranças. E ele tenta reconstituir – com taco de beisebol, metralhadora e bazuca -- sua Idade de Ouro perdida para sempre.

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