sábado, 9 de janeiro de 2010

1496) Repentes sob encomenda (29.12.2007)





É fácil escrever poesia de improviso, e sob encomenda? Parece que sim – aí estão os milhares de violeiros repentistas nordestinos. 

Um professor de uma escola pública em New Jersey pegou um grupo de estudantes do 2o. grau e lhes colocou essa tarefa: praticariam durante algum tempo, e num certo dia iriam instalar umas barracas no centro da cidade, oferecendo-se para escrever poemas na hora, conforme os pedidos dos transeuntes.

O professor Douglas Goetsch publicou um artigo em The American Scholar contando todos os detalhes do projeto. 

Os estudantes colocaram algumas questões logo de cara. Cobrariam dinheiro pelos poemas? “Não,” disse Goetsch. E se não aparecer ninguém para pedir um poema? “Faz parte do risco”. E se pedirem um poema rimado, que eu não sei fazer? “Vamos treinar”. E se não soubermos dizer nada sobre o assunto que pedirem? “Vamos treinar”.

O treinamento era em forma de exercícios obrigatórios, imaginados por ele. 

“Uma mulher tem um primo que está lutando no Iraque e vai dar baixa daqui a três meses. Ela quer um poema desejando-lhe boa sorte e boa volta à casa”. 

“Um torcedor do time de basquete da escola quer um poema para uma garota da torcida uniformizada chamada Francine. Ele quer um poema rimado. Você tem dois minutos”. 

“Um homem quer um poema para a esposa dele, pedindo desculpas por ter criticado seus talentos culinários; é a primeira briga conjugal dos dois”. 

O professor queria desenvolver neles aquilo que Keats chamava de “negative capability”, algo como “aptidão, ou capacidade para lidar com situações negativas” – o mistério, o conhecimento insuficiente. Ou seja: trabalhar, sem reclamar, com os dados disponíveis.

As primeiras semanas de treino foram duras. Diz Goetsch que os alunos tinham 16, 17 anos, e eram talentosos, mas tinham pouco conhecimento de técnica (tipos de poema, de métrica, de rima). Nunca tinham praticado a poesia a sério. 

O professor ensinou-lhes a praticar o hai-kai, o soneto, a vilanela, o limerick, a ode, a balada. No dia em que foram para a rua, atenderam todos os pedidos. Apareceu até um “freguês”, um professor da universidade local, que pediu uma vilanela tendo como assunto “macacos”. Uma das garotas produziu em poucos minutos o poema pedido: 

“Monkeys swinging in the trees 
small and brown with lots of hair 
staring strangely down to me...” 

O relato de Goetsch mostra como pessoas com talento podem, se treinadas, produzir improvisos de boa qualidade.

O que é preciso para fazer poesia assim? 

Primeiro: vasto repertório de técnicas, formas, recursos, truques criativos. 

Segundo: prática constante. 

Terceiro: a “negative capability” necessária para saber que naquele instante o mais importante não é produzir um grande poema, mas um poema rápido, legível e coerente, dentro do tema solicitado e do tempo disponível. 

Um dia, um desses poemas improvisados poderá ser um grande poema.






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