(desenhos de Guimarães Rosa para o Grande Sertão: Veredas)
“Páramo” é um conto de Guimarães Rosa publicado postumamente na coletânea Estas Estórias.
Alguns críticos o consideraram um conto místico, um dos mais misteriosos do autor, e ele o é, de certa forma, embora seja um conto realista, sem elementos fantásticos. Decorre, provavelmente, de experiências do próprio Rosa quando foi secretário de Embaixada em Bogotá, em 1942 e 1944.
O narrador é transferido para uma cidade latino-americana, situada a certa altitude, e chega lá cheio de presságios funestos; passa a ter a visão recorrente de um “homem com jeito de cadáver”. Preso em profunda depressão, busca auxílio médico, e o doutor explica que são efeitos da altitude. Aconselha que faça caminhadas, e avisa de que ele estará sujeito a ataques de choro repentinos.
O narrador sai para caminhar, e leva consigo um Livro (assim, com maiúscula) que ele não diz qual, e que havia comprado na viagem. Um dia, o ataque de choro o surpreende no meio da rua, e para não chamar a atenção ele passa a acompanhar um enterro que está passando a pé.
Segue o enterro até o cemitério, sempre chorando, e chegando lá se afasta. Passeia pelas alamedas desertas até se acalmar, e ao vir embora deixa o Livro, de propósito, em cima de um túmulo qualquer. Quando cruza o portão do cemitério, ele se depara com um homem que lhe diz: “Cavalheiro, o senhor esqueceu isto aqui...” – e lhe estende o Livro. Os dois trocam algumas palavras, desajeitados, e o narrador se afasta.
Aí vem a parte mais interessante, nos parágrafos finais. Ele diz:
“Voltava, a tardos passos. Agora, a despeito de tudo, eu tinha o livro. Abri-o, li ao acaso: ... Eu voltava, para tudo. A cidade hostil, em sua pauta glacial. O mundo. Voltava, para o que nem sabia se era a vida ou se era a morte. Ao sofrimento, sempre. Até ao momento derradeiro, que não além dele, quem sabe?”
E assim termina o conto. O mais interessante é que há um espaço em branco onde o narrador diz “li ao acaso...” Deveria haver aí o trecho lido por ele, mas o que há é uma nota de pé de página dos editores: “Há no original um espaço, para citação, que o Autor não chegou a preencher”.
Estas estórias foi publicado a partir dos originais deixados por Rosa em seu arquivo: um ou dois índices provisórios, e os textos dos contos, datilografados, com poucas correções feita a mão. E, pelo menos neste caso, espaços deixados para preencher depois – quando a morte o surpreendeu em novembro de 1967.
E esta derradeira citação ficou em branco. Na famosa entrevista a Gunter Lorenz, Rosa classificou sua literatura como “álgebra mágica” (por contraposição a “realismo mágico”, o termo em voga na época). Em nenhum outro lugar esta expressão se aplica tanto quanto em “Páramo”. Qualquer texto utilizado para preencher esta citação final modificaria, decerto, toda a leitura do conto. Aquele espaço em branco é o “x” do problema, a incógnita final, e qualquer valor que a substitua modifica todo o conjunto.