sexta-feira, 2 de outubro de 2009

1287) Álgebra Mágica (28.4.2007)




(desenhos de Guimarães Rosa para o Grande Sertão: Veredas)

“Páramo” é um conto de Guimarães Rosa publicado postumamente na coletânea Estas Estórias

Alguns críticos o consideraram um conto místico, um dos mais misteriosos do autor, e ele o é, de certa forma, embora seja um conto realista, sem elementos fantásticos. Decorre, provavelmente, de experiências do próprio Rosa quando foi secretário de Embaixada em Bogotá, em 1942 e 1944. 

O narrador é transferido para uma cidade latino-americana, situada a certa altitude, e chega lá cheio de presságios funestos; passa a ter a visão recorrente de um “homem com jeito de cadáver”. Preso em profunda depressão, busca auxílio médico, e o doutor explica que são efeitos da altitude. Aconselha que faça caminhadas, e avisa de que ele estará sujeito a ataques de choro repentinos.

O narrador sai para caminhar, e leva consigo um Livro (assim, com maiúscula) que ele não diz qual, e que havia comprado na viagem. Um dia, o ataque de choro o surpreende no meio da rua, e para não chamar a atenção ele passa a acompanhar um enterro que está passando a pé. 

Segue o enterro até o cemitério, sempre chorando, e chegando lá se afasta. Passeia pelas alamedas desertas até se acalmar, e ao vir embora deixa o Livro, de propósito, em cima de um túmulo qualquer. Quando cruza o portão do cemitério, ele se depara com um homem que lhe diz: “Cavalheiro, o senhor esqueceu isto aqui...” – e lhe estende o Livro. Os dois trocam algumas palavras, desajeitados, e o narrador se afasta.

Aí vem a parte mais interessante, nos parágrafos finais. Ele diz: 

“Voltava, a tardos passos. Agora, a despeito de tudo, eu tinha o livro. Abri-o, li ao acaso: ... Eu voltava, para tudo. A cidade hostil, em sua pauta glacial. O mundo. Voltava, para o que nem sabia se era a vida ou se era a morte. Ao sofrimento, sempre. Até ao momento derradeiro, que não além dele, quem sabe?” 

E assim termina o conto. O mais interessante é que há um espaço em branco onde o narrador diz “li ao acaso...” Deveria haver aí o trecho lido por ele, mas o que há é uma nota de pé de página dos editores: “Há no original um espaço, para citação, que o Autor não chegou a preencher”.

Estas estórias foi publicado a partir dos originais deixados por Rosa em seu arquivo: um ou dois índices provisórios, e os textos dos contos, datilografados, com poucas correções feita a mão. E, pelo menos neste caso, espaços deixados para preencher depois – quando a morte o surpreendeu em novembro de 1967. 

E esta derradeira citação ficou em branco. Na famosa entrevista a Gunter Lorenz, Rosa classificou sua literatura como “álgebra mágica” (por contraposição a “realismo mágico”, o termo em voga na época). Em nenhum outro lugar esta expressão se aplica tanto quanto em “Páramo”. Qualquer texto utilizado para preencher esta citação final modificaria, decerto, toda a leitura do conto. Aquele espaço em branco é o “x” do problema, a incógnita final, e qualquer valor que a substitua modifica todo o conjunto.





3 comentários:

  1. Maravilhoso, Braulio. Voltei ao livro - com maiúscula? - e fui reler o conto. Muito interessante sua abordagem, sempre muito rica... Mas e essa capa, hein? É capa ou só parte de algo publicado sobre JGR , onde se revela este seu lado?

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  2. Juca, esse desenho eu tenho numa matéria de jornal, onde ele foi reproduzido. Deve ser coisa que tem no ISEB em São Paulo, onde estão depositados os materiais de Rosa. Neste caso, são desenhos que ele enviou a Poty como sugestão para capa, orelhas, etc., uns foram aproveitados, outros não.

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  3. "Perdão, leitores!" Onde se lê ISEB, leia-se IEB (Instituto de Estudos Brasileiros).

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