(Cecilia Meireles)
Existem dois tipos de indivíduos no mundo: os guerreiros e os contemplativos.
Os guerreiros são os que acham que seu dever é mudar o mundo. Os contemplativos acham que seu dever é permitir que o mundo os modifique. Os guerreiros querem ensinar; os contemplativos querem aprender.
Os guerreiros eram os que, no tempo das hordas nômades, saíam para caçar mamutes ou antílopes, enfrentavam-nos com achas de sílex ou com lanças toscas de bambu. Cercavam o animal, matavam-no, tiravam-lhe a carne e a traziam para o sustento de toda a tribo.
Os contemplativos eram os que avaliavam o vôo dos pássaros, o trajeto das nuvens, a posição das estrelas, e informavam se o dia era propício ou não à caça.
Os guerreiros inventaram a caça e a guerra. Os contemplativos inventaram a ciência e a superstição.
Quando começaram a surgir as primeiras cidades humanas, eram os contemplativos que escolhiam o lugar mais adequado, geralmente nas proximidades de um rio; e eram os guerreiros que quebravam as pedras e erguiam os muros.
Os guerreiros, claro, encarregavam-se da administração dessas comunidades, tornavam-se burgomestres, alcaide, tiranos, e impunham a ordem através da política ou da força. Quando os problemas se tornavam complicados demais, eles recorriam aos contemplativos, que sugeriam leis, códigos de conduta, e rituais que ajudavam a coesão social e o espírito coletivista, cooperativo.
O mundo ainda se divide entre eles, e o mais interessante é a sua presença nas letras. Como um pequeno teste, caro leitor, procure decidir a qual dos dois grupos pertencem escritores como Simone de Beauvoir, Virginia Woolf, André Malraux, Marcel Proust, Ernest Hemingway, Clarice Lispector.
Parece fácil, não é? Tudo no começo parece fácil, mas a verdade é que cada um de nós traz estes dois lados, e grandes escritores são complexos o bastante para que vejamos com nitidez ambas as faces. Alguns chegam a ser esquizóides, como Fernando Pessoa, que guardava em si o ímpeto cosmopolita e tecnológico de Álvaro de Campos, e a calma zen e meditativa de Alberto Caeiro e Ricardo Reis.
Penso também em Cecília Meireles, uma pessoa fascinante. Quase toda a sua poesia é num tom permanente de nostalgia, melancolia, distanciamento, resignação calma diante da mutação das coisas e do fluir do tempo: uma “pastora de nuvens”, como confessa no seu belo “Destino”.
Quem lesse a obra de Cecília sem saber de sua vida, pensaria ser ela uma mulher reclusa e silenciosa como Emily Dickinson. Mas Cecília foi guerreira. Atuou nas áreas da Educação, do Folclore, do Jornalismo. Combateu a política educacional do governo Vargas, e escreveu o maior poema político brasileiro, o Romanceiro da Inconfidência.
No “Epigrama no. 7” ela diz:
A tua raça quer partir,
guerrear, sofrer, vencer, voltar.
A minha, não quer ir nem vir.
A minha raça quer passar.
Era uma Cecília conversando baixinho com a outra.