quarta-feira, 11 de novembro de 2009

1356) Uma mulher consegue uma casa (19.7.2007)




Donald Westlake afirmou certa vez: “Um romance gótico é a história de uma mulher que consegue uma casa”. Já repararam a quantidade assombrosa de romances destinados ao público feminino que começam desse jeito (e telenovelas, peças, filmes, etc.)? 

Toda história de amor tradicional termina quando a protagonista consegue convencer o mocinho a levá-la ao altar. O final ideal dessa história é o beijo nupcial, sob uma salva de palmas (e algumas lágrimas furtivas da família) ao som da Marcha Nupcial de Mendelssohn. 

Mas certas histórias começam justamente quando a heroína consegue um noivo, um casamento... e uma casa. Ah, meus amigos. Dependendo da casa, aí é que os problemas começam.

Lembrem-se de O Bebê de Rosemary, por exemplo. Rosemary e Guy mal podem acreditar quando conseguem um apartamento naquele prédio maravilhoso ao lado do Central Park. É aquilo que aqui no Brasil se chama hoje de “sonho de consumo”. Mal sabe Rosemary que o apartamento ao lado é habitado por satanistas que a obrigarão a “um destino pior do que a morte”. 

Lembrem também Rebecca de Daphne du Maurier, brilhantemente filmado por Hitchcock. Aqui, o drama da recém-casada é lutar contra a presença ameaçadora da falecida primeira esposa do marido, que paira no ambiente como um fantasma opressor.

O formato mais fotonovela de todos é o da governanta jovem e pobre que vai servir na mansão de um viúvo rico. Ela cuida da mansão, cuida do viúvo, cuida dos filhos do viúvo, mas sempre com aquele olho comprido na direção dele. Um exemplo clássico é Jane Eyre de Charlotte Bronte. O exemplo mais popular é A Noviça Rebelde de Robert Wise. 

Esta fantasia de ascensão social (cuja superfície pudica comprime uma notável carga erótica) deu origem a incontáveis variantes, algumas das quais vão na direção do romance de terror, como Outra Volta do Parafuso de Henry James. A governanta é uma espécie de dona da casa “de fato”, e o romance é a narrativa de sua odisséia para tornar-se dona “de direito”.

A pergunta que paira sobre todas estas heroínas é: “Que lugar é este onde estou indo morar?” O fato de que centenas de romances góticos começam com uma jovem recém-casada desembarcando no castelo ou na mansão que irá lhe servir de lar denuncia o sentido subjacente a essas histórias. 

A Casa é um símbolo do passado do marido, um passado que ela não consegue apagar com uma esponja, e que traz consigo toda uma coorte de familiares sombrios e ameaçadores, para não falar nos fantasmas opalinos que caminham à noite pelos corredores e nos aposentos que escondem segredos inomináveis.

Conseguir uma casa nem sempre é o final feliz que essas heroínas sonham. Por mais que a recém-chegada escancare janelas, troque cortinas e tapetes, mude a mobília de lugar, faça podar as sebes e as árvores do jardim, a toda hora ela sente que existe um ectoplasma à espreita, doido para fazer desabar uma chuva gótica no seu ensolarado domingo hollywoodiano.






Um comentário:

  1. O texto é de 2009 e eu estou pensando, por causa dele, sobre o filme Mother de 2017. Escrever atravessando o tempo deve ser coisa de poeta mesmo! Tô adorando o blog, Braulio!

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