A revista Piauí de junho tem uma matéria de Chico Mattoso, “À Sombra dos Ectoplasmas em Flor”, sobre a literatura mediúnica no Brasil. Este assunto despertou minha curiosidade na infância, quando descobri o Parnaso de Além Túmulo com poesias de Olavo Bilac, Augusto dos Anjos e dezenas de outros. Eu, ainda muito pequeno, custava a entender como esse pessoal morria e continuava esvaziando tinteiros. Acreditar no Céu e da Vida Eterna eu conseguia, mas como era possível conciliar essas estratosferas metafísicas e a obrigatoriedade de contar dodecassílabos?
Segundo a Piauí, o Brasil tem cerca de 200 editoras de livros espíritas, que vendem 6 milhões de exemplares por ano. A grande maioria são livros atribuídos a espíritos famosos ou a espíritos que se identificam com nomes genéricos como “Emanuel”, etc. Para os mais melindrosos vou logo avisando que minha mãe era espírita e dezenas de parentes meus (tios e tias, primos e primas por quem tenho respeito e afeto) compartilham das crenças kardecistas. Todos já estão acostumados com minha maneira cética de tratar esses assuntos. Não acredito – mas não mango, não menosprezo, e acima de tudo não tenho certeza de que estou certo. Apenas não acredito que alguém continue existindo depois que morre, quanto mais que escreva sonetos!
Chico Xavier (informa a revista) publicou mais de 400 títulos e vendeu mais de 25 milhões de exemplares. A atual líder do mercado é Zíbia Gasparetto, cuja gráfica imprime 500 mil exemplares por mês – nem todos de livros espíritas, pois a empresa também imprime livros por encomenda para outras editoras. Mas não se pode negar que é um mercado em crescimento constante, ainda mais lançando obras de autores que vão de Luigi Pirandello (psicografado por Elifas Alves) até Edgar Allan Poe, Cego Aderaldo e Florbela Espanca (psicografados por Jorge Rizzini).
O episódio mais sintomático é a questão judicial movida em 1944 pela viúva de Humberto de Campos, a quem se atribuíam numerosas obras espíritas psicografadas por Chico Xavier. Esta senhora argumentou, com razão, que se de fato os livros eram escritos pelo falecido esposo então os direitos autorais cabiam a ela, e não ao copista mediúnico. O juiz do caso saiu pela tangente decretando que a propriedade intelectual se encerra com a morte do autor, mesmo que este continue a produzir no Mais Além.
Confesso minha perplexidade em saber que autores estrangeiros são psicografados em português, num processo de tradução simultânea que em muitos casos não me parece sem ruídos, porque até agora não vi nenhuma obra psicografada que me parecesse à altura das obras escritas em vida pelo autor. Será preconceito? Pelo contrário. Quem me dera que autores como Guimarães Rosa, James Joyce, Raymond Queneau ou Jorge Luís Borges pudessem vir matar as saudades deste humilde leitor, com textos à altura dos que escreveram quando assinavam ponto neste vale de lágrimas!
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