sexta-feira, 6 de novembro de 2009

1351) O escritor anônimo (13.7.2007)



Se, numa capa de livro, o nome do autor é maior que o título da obra, estamos diante de um desses autores best-sellers como Sidney Sheldon ou Barbara Cartland, porque evidentemente o leitor que os lê procura por eles, não por uma obra específica. O título serve apenas para tirar a dúvida natural do “será que eu já li este?” Mas o nome em letras garrafais é muitas vezes sintoma de amadorismo. É a ansiedade muito compreensível, da parte de quem nunca publicou, em ver seu nome exposto nas vitrines. Tem gente que para ver seu nome na capa de um livro é capaz até do imenso sacrifício de escrever um.

Por isso sempre achei curiosas certas táticas de despistamento e anonimato que a história de literatura nos oferece. Por exemplo: em 1827 um jovem soldado de 18 anos chamado Edgar Allan Poe publicou na cidade de Boston seu primeiro livro de poesia, intitulado Tamerlane and Other Poems. Um volumezinho de quarenta páginas em tiragem de 200 exemplares, dos quais apenas dezoito se conservaram, fazendo dele uma das maiores raridades bibliográficas dos EUA (uma edição facsímile está à venda por 800 dólares). O livro, curiosamente, era assinado por “Um Bostoniano”. Por que motivo um poeta se esconderia por trás de um tal disfarce? A resposta mais óbvia é o fato de o jovem poeta saber-se completamente desconhecido, e, como o seu nome não serviria de chamariz para as vendas, talvez o bairrismo levasse algum leitor esperançoso a apostar no conterrâneo desconhecido. O livro, é claro, passou em branco, e provavelmente a maior parte da edição foi para o lixo.

E temos um exemplo local. Em 1854 o carioca Manuel Antônio de Almeida publicou um romance intitulado Memórias de um Sargento de Milícias, cujas páginas alguns milhões de vestibulandos brasileiros já percorreram com impaciência e perplexidade. O livro é útil e divertido, para quem se interessa por aquela época e consegue saborear aquela linguagem; e foi assinado, modestamente, por “Um Brasileiro”.

Na História da Inteligência Brasileira (vol. 3, p. 478 e seguintes) Wilson Martins põe o dedo na razão deste anonimato. Almeida era jornalista (o livro saiu primeiro em folhetins periódicos) e seu livro não era mais do que o resultado de suas freqüentes conversas com um antigo sargento, português de nascimento, chamado Antonio César Ramos. Muito jovem nessa época, Almeida não poderia ter recordações do “tempo do Rei”, em que transcorre a ação do livro. O título é totalmente adequado, pois o livro não passa de uma recolha das lembranças desse sargento; e se vem assinado “um brasileiro” é para ressaltar a parceria entre o autor que conta e o autor que escreve. Mais do que modéstia, diz Martins, vê-se aí “algum constrangimento em apresentar-se como autor de um livro que não lhe pertencia inteiramente”. A obra literária anônima era ainda possível num século 19 em que cultura oral e cultura escrita eram ainda misturadas como café e leite numa xícara.

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