Sou freqüentador de sebos (livrarias que vendem livros usados) há mais de meio século. Cerca de dois terços dos livros que possuo em casa foram comprados em sebos ou equivalentes (calçada, banquinhas de rua, etc.). Por que? Primeiro, pelo preço. Um livro que na livraria custa 50 reais pode ser encontrado na calçada ou no sebo por 20 ou menos. Segundo, pela escassez. Uma livraria, por mais boa vontade que tenha para com um livro de cinco anos atrás, só o mantém no balcão ou nas paredes se ele estiver vendendo bem. Se eu quero um livro que não é novidade de catálogo, é mais provável que o encontre num sebo do que numa livraria. Em terceiro lugar, por algo que faz fronteira com a escassez, mas é outra coisa: a improbabilidade. Em livrarias a gente só encontra o que foi visto pelo livreiro num catálogo, pensado, discutido, encomendado à editora. Em sebo a gente vê de tudo, principalmente bibliotecas inteiras de colecionadores que passaram a vida reunindo coisas obscuras e que, quando morrem, a viúva se livra daquilo tudo a preço de banana em menos de um mês. Para onde vai? Para o sebo.
Num sebo (ou numa calçada) encontrei algumas raridades que me orgulho de possuir: A Liga dos Planetas de Albino Coutinho, o primeiro romance interplanetário brasileiro, de 1923; uma primeira edição de A Amazônia Misteriosa de Gastão Cruls, pela qual teria pago 100 reais mas o cara me ofereceu por 1 real; uma primeira edição das Vies Imaginaires de Marcel Schwob (1896), que inspirou Borges a escrever sua História Universal da Infâmia, e que achei por 10 reais; as traduções de Edgar Poe feitas por Baudelaire em reedições da década de 1890; a primeira edição de Sagarana, de Corpo de Baile. Tudo isto a preço de banana.
Nada disto poderia ser encontrado numa Saraiva ou numa Siciliano. Nem sequer numa Travessa, Cultura ou Leonardo da Vinci. O sebo é a província do imponderável, do inesperado, do raro, do obscuro, daquilo que deixou de existir um dia mas não foi obliterado de todo. Às vezes, um exemplar encontrado num sebo depois de cinqüenta anos leva um editor a dar vida nova a um livro ignorado, transformá-lo em sucesso póstumo.
Imaginem só se as livrarias oficiais, e os escritores, começassem a fazer campanha contra a existência do sebos, chamando aquilo de pirataria. Porque um sebo não paga um centavo às editoras, não paga um centavo ao autor. Se um livro meu vende na livraria eu ganho 10% do preço pago pelo leitor; num sebo, não ganho nada. Mas nem por isso temos o direito de combatê-los. O sebo prolonga a vida útil do livro, alcança o leitor de bolso raso, atinge o leitor jovem, atinge todos aqueles que têm muita curiosidade mas pouco dinheiro. Não são concorrentes da livraria. Trabalham noutra faixa de mercado. Há livros que comprei por 5 reais num sebo, meio estragadinhos, e que depois de ler corri a comprar um exemplar novo na livraria por 30 ou 40. Por que? Porque pude arriscar, e conhecer.
Braulio, gostei muito de suas ponderações e impressões a respeito dos sebos. Pena que, ainda é pouco divulgado a cultura "seberística" em nosso país.
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