Guillermo Sánchez Trujillo, um professor de literatura da Colômbia, vem há alguns anos tirando o sono do mundo acadêmico com uma teoria extraordinária, mas muito bem argumentada, sobre a origem da obra literária de Franz Kafka.
Para resumir, o que diz Trujillo é que Kafka usou obras de Dostoiévski para montar a estrutura de suas histórias. Como se sabe, vários livros de Kafka ficaram incompletos. O Processo era uma porção de capítulos sem numeração, guardados em numerosos envelopes grandes. Quem deu a primeira ordenação de capítulos para publicação foi Max Brod, o amigo a quem Kafka, antes de morrer, pediu que queimasse tudo (claro que ele desobedeceu).
Os críticos sempre se intrigaram com a aparente desordem em que os capítulos tinham sido envelopados, mas Trujillo explica: eles foram arquivados por Kafka por um critério de proximidade. Os capítulos que provinham de cada trecho de Crime e Castigo foram guardados juntos, independentemente de sua posição na nova versão.
Nas próximas férias comprarei o livro de Kafka e o de Dostoiévski (já tive os dois, mas sumiram nas voltas da estrada) e vou fazer a comparação.
Trujillo afirma que o primeiro capítulo de O Processo é uma reescritura do capítulo 3 da segunda parte de Crime e Castigo. Aliás, os três primeiros capítulos do livro de Kafka são os capítulos em ordem inversa desta segunda parte do livro de Dostoiévski (3, 2 e 1).
É disto que Kafka extrai o clima alucinatório e de pesadelo em seu livro. Porque na segunda parte do livro de Dostoiévski o crime já foi cometido, e nada mais previsível do que a visita de agentes da lei, interrogatórios, etc. Como Kafka pulou a primeira parte, o que vemos é um indivíduo sendo acossado pela Lei, mas sem motivo aparente.
O arrazoado de Trujillo está resumido em: http://www.kafka.org/index.php?id=184,198,0,0,1,0.
E ele vai mais longe, comparando trechos de Dostoiévski com trechos de A Metamorfose, indo ao extremo de apontar diálogos idênticos. O despertar de Gregor Samsa, segundo ele, é todo baseado em três diferentes cenas em que Raskólnikov desperta. Ele faz um cotejo frase a frase que dá o que pensar.
Uma outra descoberta sua diz respeito à cena da catedral em O Processo, que não tem equivalente em Dostoiévski, mas que ele, guiado por uma referência de Kafka numa carta a sua irmã Otta, localizou num episódio da Viagem a Itália de Goethe.
Siga o link acima, leitor, ou encomende o livro (Crimen y castigo de Franz Kafka, Universidad Autónoma Latinoamericana, Medellín, 2002).
Kafka seria um plagiário? Eu acho que não, porque embora haja essa semelhança de ambiente, de estrutura e até de frases, as duas obras são tão diferentes que não se pode falar em imitação ou em apropriação indébita. Seria mais ou menos como Joyce usando a Odisséia como base para seu Ulisses: há uma semelhança ponto a ponto, mas cada obra tem luz própria.
Muito obrigada pelo seu texto! Estou iniciando meus estudos sobre Dostoievski e, numa leitura de apreço, acabei escrevendo um texto sobre aproximações entre as obras Crime e Castigo e O Processo. Entretanto, queria buscar outros autores, outros textos que também concordassem com essa linha. Muito obrigada!
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