domingo, 30 de agosto de 2009

1229) Poder Total a Custo Zero (20.2.2007)




Todas as vezes que compareço pessoalmente a um set de filmagem ou a um ensaio teatral eu saio de lá arrasado moralmente. Levo dias para me recuperar, e é por isto que freqüento tão pouco estas atividades. 

Não existe forma de criação artística mais difícil do que as que envolvem dezenas de pessoas, centenas de técnicos, onde surgem a toda hora problemas que não podem ser resolvidos, chuva quando era para fazer sol, sol na hora em que se precisava de chuva. Sem contar com equipamento que quebra, material que acaba, ator que adoece ou dá pití, verba que não é depositada, e assim por diante. 

Ainda hoje tenho uma certa vontade (típica de ex-cineclubista) de dirigir um filme, mas basta lembrar de A Noite Americana de Truffaut para rever meus parâmetros. Meu negócio é computador. Se alguém viesse me oferecer dez milhões para dirigir um longa, eu me esconderia atrás do “no-break”.

É por estas e outras que celebro hoje duas formas baratas e megalomaníacas de criação artística: a Literatura e o Rádio. Temos ali duas coisas que nunca passam pela cabeça de diretores de cinema, teatro, TV, ópera, o escambau: Poder Total e Custo Zero. Os limites são apenas os limites da nossa imaginação; e os custos, bem, não são zero mas são irrisórios. 

Podemos simbolizar a Literatura e o Rádio na forma de uma fração ordinária cujo numerador, o poder de criação, aproxima-se de Mais Infinito, e cujo denominador, o fator custos, tende a Zero.

James Cameron gastou centenas de milhões de dólares para filmar o naufrágio do Titanic. Eu faria o mesmo pelo rádio, usando apenas arquivos de sonoplastia: motor de navio, buzina de navio, choque, colisão, sirenes, multidões histéricas, glub-glubs generalizado, e uma dúzia de atores fazendo 150 papéis. 

Quando eu era pequeno, nos anos 1950, ouvia alguns seriados de ficção científica (cujo nome infelizmente não lembro mais) em que gigantescas naves cortavam o espaço, batalhas ferozes destruíam esquadras inteiras, seres alienígenas horrorosos surgiam arfando junto do nosso ouvido – e tudo aquilo, sei hoje, eram meras esculturas sonoras feitas em estúdio com um sortimento variado de panelas, torneiras, ventarolas, apitos, e outros artigos de camelô.

Na Literatura é o mesmo, só que mais barato ainda. 

“Do alto da colina, o imperador Napoleão contemplava os milhares de corpos ensangüentados de cavaleiros franceses, cujas cargas se estilhaçavam de encontro aos quadrados da infantaria comandada pelo general Wellington...” 

Por mais que o cinema tenha procurado reconstituir a batalha de Waterloo, nenhum filme pode se comparar às dimensões épicas do que Victor Hugo fez com pena e tinteiro durante Os Miseráveis

Literatura e rádio são imbatíveis porque dependem principalmente da palavra (e no segundo caso, de efeitos de áudio) para fazer com que a imaginação do público levante vôo junto com a imaginação do autor, numa “folie-à-deux” benigna onde o céu é o limite.





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