sábado, 29 de agosto de 2009

1224) O que é descartável (14.2.2007)




A palavra “descartável” virou um termo pejorativo no jornalismo cultural de hoje, que fala o tempo inteiro em músicas descartáveis, filmes descartáveis, etc.  Ao que parece, esta palavra só se redime em “fraldas descartáveis”, porque está aí uma coisa que ninguém quer ficar acumulando depois de usar. 

Em primeiro lugar, devemos reconhecer que a maioria dos produtos culturais que compramos são descartáveis mesmo. No começo da adolescência, garotos se livram de seus Cebolinhas e Patos Donald, porque agora estão lendo X-Men, e mais adiante se livram dos X-Men quando começam a ler Playboy

Livramo-nos destas coisas como nos livramos dos livros escolares do 2o. grau e da Faculdade. Depois que cumprem sua função imediata, são descartados. E nem por isso deixam de ser úteis ou necessários.

Em segundo lugar, ninguém mantém consigo, indefinidamente, todos os livros e todos os discos que compra ao longo da vida. Todo mundo “faz uma limpa” de vez em quando, porque o apartamento está cheio. Numa hora assim, é preciso estabelecer prioridades, e aí centenas de livros já lidos vão para o sebo, e dezenas de discos são repassados para os amigos. 

Qualidade não é a questão. No meio desse “bolo” pode ter desde Beethoven a Jorge Amado. Mas aquilo não tem mais necessidade imediata, já foi assimilado. Dá pra descartar, repassar para quem precise mais do que a gente.

Na vida, como no jogo de buraco, a gente conserva ou descarta em função da estratégia imediata, do jogo que está sendo jogado no momento. Já me mudei de um apartamento, na Bahia, deixando para o próximo inquilino uma coleção de “O Pasquim” com mais de um metro de altura. Na época, tinha perdido a importância; hoje me arrependo um pouco, mas tudo bem, é assim mesmo que essas coisas funcionam. 

Descartamos o que não contribui para as canastras que estamos tentar montar naquele momento. O próximo jogo é outra história.

O descartável que traz algum perigo é de outra natureza. É tudo aquilo que, uma vez comprado, tem que ser substituído rapidamente por outro, porque o surgimento de um modelo novo envelhece instantaneamente tudo que existia antes; é um dos princípios básicos da Moda. 

No caso da indústria cultural, os produtos de janeiro são efêmeros porque os de fevereiro precisam ocupar as vitrines e fazer tilintar a registradora. E essa rapidez de substituição tem outra função. O produto precisa ser rapidamente esquecido para que daqui a dez ou quinze anos possa ser recordado (nessas ondas de nostalgia, tipo Almanaque dos Anos 80, etc.) e vendido de novo, porque lembra ao consumidor uma época que (na memória dele) “passou voando”. 

Claro que passou voando: as modas se sucediam com tal rapidez que ele não teve tempo de se acostumar com nada, de esgotar o interesse de nada. Essa produção cultural é como a impressora barata, que serve para vender o cartucho-de-tinta caro.








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